O ruído e a poluição associados ao Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, afetam mais de 400 mil pessoas, gerando crescente descontentamento entre os moradores das zonas circundantes. A situação é particularmente crítica durante a noite, quando o barulho dos aviões torna-se uma constante que invade a vida quotidiana da população. O contraste entre a lembrança nostálgica da canção que convidava a “ver os aviões” e o desejo real dos lisboetas de que estes deixem de sobrevoar suas vidas é evidente.
A Escola Manuel da Maia, localizada em Campo de Ourique, é um dos muitos estabelecimentos afetados pelo tráfego aéreo intenso. A cada três minutos, um avião passa sobre o pátio da escola, tornando-se quase impossível para alunos e professores manterem a concentração. Luís Mocho, o diretor da escola, relata que a interrupção causada pelo barulho é uma parte rotineira das aulas, obrigando professores a pausar suas explicações até que o ruído diminua.
Ana Santos, professora de Português e Inglês, acrescenta que a desconcentração é um problema frequente em sala de aula, onde a dificuldade em manter a atenção dos alunos é agravada pelas passagens constantes dos aviões. “Isso acontece duas ou três vezes durante uma aula”, estima, reconhecendo que os alunos já se acostumaram, mas a situação continua a afetar negativamente o aprendizado.
As associações de moradores que habitam nas áreas afetadas alertam para os voos noturnos, que, apesar de serem legalmente restritos, ocorrem com frequência. Clementina Garrido, da comissão de moradores do Bairro da Calçada dos Mestres, menciona que os voos começam por volta das quatro da manhã e continuam até bem depois da meia-noite, criando um ciclo de ruído insuportável que interrompe o descanso dos residentes.
Além do ruído, a poluição visual e olfativa gerada pela aviação também é motivo de preocupação. Os moradores de bairros como o Bairro Azul, que abriga diversas famílias, relatam que o barulho intenso tornou-se uma barreira ao desfrute de suas casas e do espaço público. Ana Alves de Sousa lamenta a situação, afirmando que o barulho é tão insuportável que é preciso manter as janelas fechadas para conseguir viver em casa.
A situação é ainda mais delicada para o imã da Mesquita Central de Lisboa, David Munir, que reconhece que o barulho dos aviões perturba as orações e as atividades religiosas. O imã desenvolveu estratégias para lidar com o ruído, prolongando algumas partes das suas recitações até que os aviões tenham passado.
Os impactos da poluição sonora não se limitam ao desconforto; eles têm consequências sérias para a saúde. O psiquiatra Miguel Vasconcelos, coordenador do Centro das Taipas, explica que a exposição constante ao ruído pode levar a uma série de problemas de saúde, incluindo insónias, ansiedade e doenças cardiovasculares. A ampliação do aeroporto, que poderá aumentar ainda mais o tráfego aéreo, é vista como uma agravante de uma situação já crítica.
Catarina Grilo, integrante da plataforma “Aeroporto Fora, Lisboa Melhora”, critica a indiferença em relação à saúde e ao bem-estar de tantos residentes. Com a proposta de aumentar a capacidade do aeroporto em 20%, a preocupação é que a frequência dos voos se torne insustentável, afetando não apenas os moradores, mas também trabalhadores, estudantes e frequentadores de instituições culturais e de saúde.
Diante desse cenário, os moradores exigem soluções efetivas, como a limitação do tráfego aéreo na Portela até a construção de um novo aeroporto. A luta por um ambiente mais saudável e pela qualidade de vida na cidade de Lisboa continua, enquanto os aviões sobrevoam as vidas de milhares de pessoas, que clamam por silêncio e respeito em seu cotidiano.