O CONCELHO DO INTERIOR QUE DUPLICOU O NÚMERO DE ALUNOS
É o terceiro concelho do país que mais cresceu nos jovens até aos 14 anos, segundo os últimos Censos de 2021. Duplicou o número de alunos do agrupamento de escolas do município. No universo de 300 alunos, 70 são estrangeiros, contando com crianças de 14 nacionalidades. Na faixa etária dos 18 aos 24 anos, a curva do gráfico também é ascendente. Estes índices demográficos positivos, que contrariam a tendência generalizada de despovoamento e envelhecimento dos territórios do Interior, são apresentados pelo município de Vila Velha de Ródão cuja estratégia tem privilegiado a captação de investimento privado e a construção e reabilitação do parque habitacional da vila para a fixação de pessoas.
No que toca à implementação de novas empresas em Vila Velha de Ródão, Luís Pereira, presidente do município, revela que há mais dois investimentos privados com peso significativo na criação de postos de trabalho. Um na área da produção de papel, através de um investimento de 70 milhões de euros da empresa Paper Prime, que vai triplicar a sua produção e garantir mais 50 empregos; outro num projeto do setor do hidrogénio verde que garantirá 60 postos de trabalho, num investimento de 160 milhões. Ao todo, serão mais 110 vagas de emprego disponíveis no município nos próximos dois anos.
“Neste momento, arranjar trabalho é fácil, casa é que não”, salienta o edil rodense. Apesar do esforço camarário, exclusivamente com fundos próprios, na construção de um loteamento com 18 moradias, da reabilitação de casas devolutas na zona histórica, arrendadas posteriormente a baixo custo, e de um futuro investimento de mais 30 casas para venda a preço de custo, a oferta habitacional não consegue colmatar as situações de carência existentes.
A grande afluência de novos trabalhadores e moradores no município arrasta também aquele que é apelidado pelo autarca como um “problema bom”, o reverso da medalha da inversão do declínio demográfico: as infraestruturas, sobretudo escolares, começam a ser insuficientes para dar resposta ao número de solicitações.
E Luís Pereira atribui parte da responsabilidade à Administração Central pela falta de apoio que o município tem recebido nesta matéria. Antevendo que as infraestruturas de que dispunha não davam resposta e prevenindo novas situações, a Câmara avançou com a candidatura de um projeto de requalificação da antiga escola primária para ser transformada numa nova creche, através de uma candidatura ao PRR Habitação. Foi reprovada. Segundo o presidente de Vila Velha de Ródão, por não se encontrar localizada em Lisboa ou no litoral. “Há uma portaria que, de forma administrativa, limita os municípios do Interior a candidatarem-se a este tipo de infraestruturas e que os impede de aceder a dinheiros públicos para resolver este tipo de problemas”, refere o edil.
No site do Programa PPR, explica-se que a “componente da habitação do PPR pretende relançar e reorientar a política de habitação em Portugal, salvaguardando habitação para todos, através do reforço do parque habitacional público e da reabilitação das habitações indignas das famílias de menores rendimentos, por forma a promover um acesso generalizado a condições de habitação adequadas”.
No entanto, tais diretrizes parecem não se aplicar de forma igual em todo o território nacional, garante o presidente, que já anteriormente tinha visto chumbado o mesmo apoio à construção do novo loteamento habitacional. “O Governo continua a ter um discurso que não é conducente com a prática. Quando vamos para o terreno e queremos concretizar projetos, os instrumentos disponíveis não estão coadunados com a realidade do Interior. Aí o município só tem duas hipóteses: ou tem capacidade para dar resposta às suas lacunas ou fica a olhar para uma folha em branco”, salienta.
“As águas que as fábricas recebem para laborar são piores do que aquelas que elas devolvem ao Tejo”.
O Rio Tejo assume-se como uma marca natural muito forte em Vila Velha de Ródão. Toda a zona ribeirinha da vila tem sido alvo de intervenções de melhoramentos por parte da autarquia, nomeadamente a nível de “saneamento, reconfiguração da margem, aposta em percursos pedestres e construção de pontes e ligações de acesso, revitalizando e conferindo centralidade àquela parte da localidade”. Diariamente, mais de 100 pessoas realizam passeios de barco, dinamizados por um operador privado, até ao monumento natural das Portas de Ródão com saída do cais.
A proximidade ao Rio levou a que Luís Pereira também lhe vislumbrasse um potencial para a diversificação da oferta desportiva, sobretudo no apoio de eventos de motonáutica de expressão nacional e internacional, que lhe valeu o prémio de personalidade do ano pela Confederação do Desporto de Portugal em 2022.
Porém, é também o mesmo Rio que tem trazido alguns dissabores ao município, no que concerne a poluição, “de que Vila Velha sempre foi um bode expiatório”, confessa. O edil refere que a autarquia sempre acompanhou o problema com muita atenção e realizou diversas análises à qualidade da água, com recurso a laboratórios independentes a montante e a jusante do rio e dentro da localidade, da qual resultaram pareceres da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que podem ser consultados por todos.
“Há um problema gravíssimo de falta de qualidade da água a montante, que até para as próprias fábricas a laborar é sofrível. As empresas têm de fazer dispendiosos tratamentos de água para que a mesma disponha de qualidade para poderem trabalhar. A água que as fábricas devolvem ao Tejo é controlada e monitorizada ao segundo pela APA. Posso, com segurança, afirmar que as águas que as fábricas recebem para laborar são piores do que aquelas que elas devolvem ao Tejo”.
E com o sentido de reaproveitamento dessa água de boa qualidade que é desperdiçada pelas fábricas, Luís Pereira, teve uma ideia inovadora para o desenvolvimento de um projeto piloto para suprir o problema de abastecimento de água, relacionado com barragens de dimensão insuficiente para a exploração agrícola atual e alterações climáticas, dos investimentos agrícolas do concelho. “A nossa intenção é que a água tratada na ETAR da Biotek, que tem excelente qualidade, em vez de ser lançada ao Tejo, passe a ser lançada na Barragem do Açafal para aproveitamento para agricultura. Desta forma, o problema da água fica resolvido sem investimento público”, frisa, acrescentando que já tem aval positivo do Ministério da Agricultura para avançar, mas que “o Ambiente ainda não tem enquadramento legal para um projeto desta natureza”.
Já a questão da poluição do ar está a aguardar decisão judicial. A empresa em causa, Centroliva, alvo de várias denúncias municipais e intervenções da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) e da APA não está a laborar enquanto aguarda a decisão. A empresa Biotek, uma das mais apontadas por causa do odor desagradável que regularmente se faz sentir na vila, está com um investimento de oito milhões de euros para captação das emissões difusas e, desta forma, reduzir o mau cheiro do ar.
“O Estado concede isenções fiscais de impostos municipais sem ouvir as Câmaras e sem qualquer benefício para os concelhos”.
A cumprir o último mandato, depois de 24 anos de governação autárquica, Luís Pereira tem como objetivo terminar o conjunto de projetos, sobretudo ligados à requalificação urbana e loteamento residencial, a que se comprometeu com os seus munícipes durante estes quatro anos.
Com um orçamento camarário de 11 milhões de euros, em que cerca 6 milhões são provenientes do Orçamento de Estado e o restante de receitas próprias resultantes de impostos indiretos, sendo os mais significativos a derrama, o IMT e o IMI, o autarca não poupa duras críticas à Administração Central por decidir isentar empresas dos impostos municipais sem consultar as Câmaras. “O Estado concede isenções fiscais de impostos municipais sem ouvir as Câmaras e sem qualquer benefício para os concelhos. Há uma sonegação dos impostos municipais à revelia daquela que é a vontade do município”, sublinha.
A autarquia apercebeu-se da situação quando teve um depósito na conta no valor de 800 mil euros relativos ao IMT de uma empresa instalada no município e, posteriormente, o dinheiro foi retirado por conta da isenção do imposto municipal que o Estado concedeu à empresa, “não questionando a autarquia se estaria disposta a abdicar de algo que é seu”, acrescenta.
E a subtração ao orçamento camarário não ficou por aqui. Segundo o edil, foram retirados mais 300 mil euros de derrama também por isenções fiscais concedidas a empresas “oficiosamente, porque oficialmente nada sabemos, ficando o município lesado em mais de um milhão de euros”.
Sem aspirações políticas no futuro, Luís Pereira não esconde um certo cansaço e descontentamento com o estado da política da nação. “Os políticos estão a ser maltratados pelos próprios partidos que tinham a obrigação de os defender. O desafio atual dos partidos é olhar verdadeiramente para os seus quadros. Ou se revê este relacionamento ou os partidos começam a ficar com as escolhas muito reduzidas”, conclui.