Já por diversas vezes visitara o norte de África, mas há muitos anos que as paragens eram outras e tinha saudades de Marrocos. A América Latina continua a ser um objetivo, mas as pampas argentinas e os lagos salgados chilenos terão de esperar, outras razões por aqui me vão prendendo.
Tenho andado por terras do Oriente, era altura para voltar a roteiros africanos. Na verdade, há quem compare algumas regiões da Índia e de Marrocos, basta apreciar a idêntica beleza das cidades azuis de Jodhpur e Chefchaouen, ambas a olharem o deserto a pouco mais de 300km.
Visitem a exposição Mais que Azul, no Museu Nacional de Arte Contemporânea, até 24 de setembro próximo.

Perceberão melhor porque, tradicionalmente, a cor azul é relacionada ao céu, ao paraíso e à transformação entre o corpo e o espírito.
Outro exemplo interessante descobre-se na música, onde o ritmo africano Berber e a escala clássica indiana, ao assimilarem instrumentos musicais árabes, emprestam distintas especificidades aos sons de cada país. Valerá a pena aprofundar o paralelismo entre a influência da música portuguesa em Goa e a forma como a música berbere marcou os cantares alentejanos, mas tal ficará para outras viagens sonoras.
Mas, confesso, também senti vontade de falar sobre o meu amigo Abdou, que conheci numa das primeiras viagens a Marrocos, em 1986. Tantos segredos ele desvendou!
Desde logo Mohamed Rouicha, músico de Khénifra, descoberta recente, entre várias outras maravilhas musicais de tradição Berber e Gnawa. Com o seu loutar a evocar o rubab que descobri em Samarcanda e cujo uso se estende até ao Punjab indiano, transporta-nos para a estranheza “das mil e uma noites” marroquinas.

Interpretando temas de tradição berbere, em língua Tamazight, na tradição dos griots da África Ocidental, junta-se a contadores de histórias, cantores, poetas e músicos, muito importantes para a transmissão dos conhecimentos dentro das culturas de diferentes países africanos.
Falou-me da Zauia de Tamegroute, em pleno deserto do Sahara, onde se guarda um Corão do século XI, decorado com estampas ainda mais belas que as criadas por monges celtas no célebre Livro de Kells.
Admirei a raridade muitos anos depois.
Mergulhámos nas cores, sabores e odores da “Terra de Deus”, serpenteámos por Tânger, Fez, Chefchaouen, Marraquexe…
Por agora pouco mais adiantarei sobre o Príncipe Abdou, descendente de Idriss I, bisneto de Maomé, que se apaixonou por donzela cristã dos tempos modernos. Este romance explorou recantos da misteriosa cidade de Kenitrá, onde o príncipe, ligado à arte de Dionísio, é personagem frequente nos palcos de teatro e cinema.
Quarenta anos depois, continuamos amigos. Temos formações culturais, religiosas e mesmo políticas distintas, como no caso do Sahara Ocidental, mas estas diferenças, porque “discutidas” com respeito e compreensão, ainda mais nos aproximam: são novas janelas que nos ajudam a compreender o mundo.