Os milagres têm hora marcada — preferencialmente após as novelas das oito —, eis que Nossa Senhora de Fátima resolveu dar uma ajuda celestial à democracia. As eleições legislativas, caro leitor, foram marcadas para 18 de Maio. Porquê? Para não atrapalhar as peregrinações da semana anterior, claro está! Nada como garantir que os fiéis podem rezar o Terço e os políticos podem rezar… por votos, sem conflito de horários
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, homem de fé (sobretudo na sua imagem televisiva), recebeu uma visita divina às cinco e vinte da madrugada. A Virgem Maria, compadecida com o seu sono leve — interrompido por repetições de “CSI Las Vegas” e um comando colado à mão —, sussurrou-lhe: “Marcelo, vai dormir. E não marques eleições a entupir os acessos a Fátima.” O chefe de Estado, obediente como um catecúmeno, acatou. E assim, o bom senso prevaleceu. Ou melhor, o cansaço de um homem que dormita desde as três da manhã.
Enquanto os peregrinos caminham para Fátima, carregando velas e esperanças, os políticos preparam-se para a sua própria via sacra. Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, já planeia a sua romaria particular: uma procissão até à Rua S. Caetano à Lapa, sede do PSD. O objectivo? Rezar por um partido que, hoje, parece mais perdido que Judas numa missa de domingo. O actual líder do PSD, “suspeito de ser suspeito” de fraude fiscal, dificilmente chegará à Procissão das Velas em “estado de graça”. Talvez apareça de skate, para fugir às perguntas incómodas.
Eis o milagre moderno: a política transformada em ritual de fé. Acredita-se em promessas como se fossem aparições, veneram-se líderes como santos de pau oco, e choram-se escândalos com lágrimas de crocodilo — ou, neste caso, de ‘Louis Vitton’.
Mas eis a reviravolta celestial: num país onde até as pedras têm mais credibilidade que os programas eleitorais, a verdadeira fé reside… na descrença absoluta. Sim, leitor! O povo, mais esperto que um teólogo de feira, já não engole milagres políticos. Sabe que as promessas são como as aparições de Fátima: impressionantes, mas intangíveis. Ainda assim, sorri. Sorri porque, no fundo, este espectáculo de ilusões — entre virgens, visões e líderes a fugir do fisco — é o que nos mantém unidos.
E uma vela, sim, mas não acesa no Santuário. Acendamo-la, na esperança de que cure esta nação da sua doença crónica: acreditar que os políticos são gente toda séria.
Se há lição a reter, é esta: num mundo onde até o céu marca eleições, o melhor é rir. Rir das peregrinações, das visões, das lágrimas de marca. E, claro, votar a 18 de Maio. Afinal, quem sabe se Nossa Senhora não reservou um milagrezito para as urnas? Até lá, mantenham a fé — mas guardem o recibo.
P.S. – Lamento por Miguel Macedo, homem que só encontrou paz quando a política lhe virou as costas. Miguel Macedo, figura outrora maltratada pelo PSD e pela Justiça, só recebeu o perdão público no dia da sua morte. Ah, a hipocrisia! É como diz o povo: “Antes morto que incomodativo”.