Mariano era rapaz da minha criação. Pelo crepúsculo matutino, ainda Mercúrio rebrilhava a leste, e já o Mariano se perfilava, a caminho dos Lameirões, para redrar uma pouca de terra, num olival, que estava por lá tomado do panasco. Quando não era isso, era outra qualquer safra. Jogava às costas o sacholão,que lhe cobria os ombros ambos, e só regressava já com o sol posto, ao crepúsculo do fim do dia, com o mesmo arrimo com que partira.
Um dia lá se resolveu a comprar um tractor, “para aliviar os lombos”. Remessava do fundo do povo ao terreiro em ganas e aí fazia umas acrobacias com a máquina, chegando mesmo a levantar as rodas da frente. Um verdadeiro malabarista!
Na hora de pulverizar as videiras, já ele sabia quantas bombadas tinha a dar no manípulo, até que despejasse a máquina. Um despachado, era o que era. Fizéramos por ali os bailaricos todos pelas redondezas, éramos um gang encorpado; belas recordações!
Deixei de lhe ser próximo, há já umas décadas, por circunstâncias das vidas, mais da minha do que da dele. De modo que foi com alguma surpresa que recebi, na semana passada, um telefonema do lavrador. Olá, colega, estás bom, Estou bem, e tu, Bem igualmente. Nem estranhei o tratamento por “colega”, seria um modismo de circunstância do moço!’…
Ainda estive para lhe dizer que colegas eram as putas, como me ensinou o meu camarada José Guilherme, mal cheguei para cumprir o serviço militar no Ultramar, como ele gostava de designar o Funchal – e com legítima razão, diga-se! Mas o Mariano nem me deu tempo a mais: Sabes que fui chamado a dar escola? Os termos usados eram os possíveis, para um homem de qual casta. Eu nem alcançava o coiso, mas ele continuou. Tinha-se candidatado, agora com estes alargamentos aos concursantes. Ia dar aulas, umas unidades a Matemática e a Física.
Aquilo de jogar a enxada em rotação de atrás das costas e botá-la ao solo mais não era do que um lídimo exemplo do que são as matemáticas aplicadas – os ângulos, e tal… As pracetas redondas à volta das árvores, a análise do diâmetro de uma circunferência, em práticas posto.
O ângulo que fazia quando botava o trator em cavalinho, o eixo de circuito, as bombadas que dava na máquina dos sulfatos, para despejar 10 litros de tratamento da vinha. Ora, isto mais não é do que uma regra três simples empiricamente aplicada.
Notei-o buliçoso, ao Mariano. Animava-o a ideia de ir trabalhar com jovens, ensinando-os, como fazia com as reses e o gado em geral – mal comparando, direi eu! E depois, trabalhava umas horitas por dia, um dia livre por semana, três meses de férias no Verão, 15 dias no Natal e outros tantos na Páscoa, no Carnaval, com sorte, caía mais uma semanita.
Iam-lhe dar uma Direcção de Turma, estava esfuziante, só de pensar no tratamento que teria de reverências, por parte dos pais, vergando a cerviz, enquanto o tratavam por “Senhor professor”!, ou doutor, até, ouvira que o professor é o legítimo doutor, que a palavra tem origem num tempo latino, um tal de supino – doctum – que deu docente. Que dilucidado estava o Mariano! Um ordenado de mão cheia, que mais podia almejar?… Sejas Bem-vindo, caríssimo colega. Vamos falando, amigo. Sei que vais gostar. Estou certo que não haverá lugar a desilusões, que me pareces esclarecido.
Gostei de falar com o Mariano. Nunca é tarde! Afinal, todos merecemos, um dia, ser felizes