O socialista António Videira, presidente da Junta de Freguesia de Marvila, está a responder em tribunal por quatro crimes: dois de prevaricação e dois de abuso de poder. É suspeito de ter beneficiado Elsa Tavares, que terá falsificado o currículo para exercer o cargo para que foi contratada por José António Videira
O presidente da Junta de Freguesia de Marvila, em Lisboa, José António Videira, começou a ser julgado por causa de contratos públicos que a junta assinou com pessoas do seu círculo pessoal. O autarca é acusado de dois crimes de prevaricação e dois de abuso de poder.
Segundo o processo, divulgado pela CNN Portugal, José António Videira terá “afastado funcionários” “com a intenção de libertar postos de trabalho” e, dessa forma, “criar necessidades que não existiam para a contratação dos seus conhecidos”. Incluindo Elsa Tavares, que também está em tribunal por alegadamente ter falsificado o currículo para conseguir “exercer funções para as quais não possuía as qualificações exigidas”, segundo o Ministério Público. Está acusada de um crime de burla qualificada e dois crimes de falsificação de documento.
O caso começou em meados de maio de 2017. José António Videira preparava-se para deixar a presidência da Junta de Freguesia da Ajuda, onde serviu dois mandatos, e candidatar-se a liderar a autarquia de Marvila. Nessa altura, segundo o Ministério Público, o autarca “decidiu que, caso viesse a ser eleito, determinaria a contratação de pessoas da sua confiança para exercerem funções que já se encontravam a ser desempenhadas por outros funcionários da Junta de Freguesia”. A ideia era substituí-los.
O PS conseguiu renovar a maioria em Marvila, com mais de 8 mil votos, e perto de um mês depois de alcançar a vitória, António Videira contactou, no dia 26 de outubro daquele ano, o Diretor Municipal de Recursos Humanos da Câmara Municipal de Lisboa. Por telefone, disse-lhe que queria requerer a transferência de alguns trabalhadores da sua junta para a CML – na altura liderada por Fernando Medina – em regime de mobilidade.
Segundo a CNN Portugal, um mês depois, António Videira começou a reunir com funcionários com o objetivo de os afastar da junta e os realocar em funções idênticas na Câmara Municipal de Lisboa. A primeira dessas reuniões foi com um informático chamado Bruno Rodrigues. Nesse encontro, disse-lhe que a autarquia não precisava de um especialista na sua área e que, por causa disso, deveria pedir transferência para a câmara de Fernando Medina. Bruno Rodrigues fez isso mesmo, preenchendo um requerimento onde indicou que deveria ser transferido por “na gestão do atual órgão executivo não se encontrar planeada a necessidade de um especialista informático”.
Outro dos funcionários afastados foi uma contabilista chamada Fernanda Caetano, que exercia funções como coordenadora técnica na junta desde 2007. Numa reunião em novembro de 2017, disse-lhe que ia ser transferida para a CPCJ oriental, porque, segundo lhe disse, “gostava muito de crianças”.
António Videira criava então duas vagas no seu executivo: uma para a informática e outra para a contabilidade, mas não demorou muito tempo até arranjar pessoas para as preencher. O autarca encontrou uma forma de fazer parecer que não estava a substituir funcionários que já estavam na junta há vários anos por outros da sua confiança: no papel, contratava novos trabalhadores para funções que nada tinham a ver com as dos funcionários afastados, mas, na prática, acabavam por ter o mesmo trabalho.
Um exemplo disso aconteceu logo a seguir a ter afastado o especialista informático da junta de Marvila. Em janeiro de 2018, António Videira assinou um ajuste direto por 8.800 euros com Tiago Teixeira, um engenheiro informático que conhecia por ter trabalhado para o município de Loures. A ideia era que prestasse apoio ao pelouro da habitação e urbanismo da autarquia, mas quando o engenheiro se apresentou na junta para começar a trabalhar, o presidente referiu-lhe que, em vez disso, iria exercer funções na área da informática e dar também formação a outros funcionários, já que o especialista anterior tinha saído para a Câmara Municipal de Lisboa.
Ao mesmo tempo, convidou também Elsa Tavares, que conhecia desde os anos 90, para ser assessora política na área financeira da Junta de Freguesia de Marvila. Um trabalho que, no fundo, servia para relatar oralmente ao presidente o estado económico da autarquia local a cada quinze dias. Primeiro foram feitos contratos por ajuste direto e a, partir de 2020, foi contratada pela autarquia em definitivo para ser assistente técnica e trabalhar na área da contabilidade da Junta de Freguesia de Marvila.
Só que quando assinou a documentação relativamente a esse contrato, Elsa Tavares terá, de acordo com a acusação do Ministério Público, falsificado o currículo de forma a parecer que tinha não só concluído o 12.º ano, como tinha uma licenciatura, um mestrado e um doutoramento em Economia e que tinha chefiado um departamento financeiro no Banco de Portugal. “O exercício de funções na carreira de assistente técnica exige a titularidade do 12.º ano de escolaridade ou de curso que lhe seja equiparado, habilitação académica que a arguida não possui”, afirma o MP.
Tiago Teixeira manteve-se na autarquia durante nove meses até novembro de 2018, altura em que saiu para a Câmara Municipal de Loures. Já Elsa Tavares continuou a trabalhar para António Videira até 2022. Durante esse tempo, segundo o MP, “provocou um prejuízo de 52.318,44 euros correspondente ao montante que tal autarquia despendeu com o pagamento das quantias que auferiu por conta da celebração dos contratos e que de outro modo não remuneraria, o que quis e conseguiu”.
Já o autarca António Videiro é acusado de saber que as propostas para contratação de serviços que foram apresentadas ao seu executivo “tinham conteúdo distinto das funções que viriam a ser realmente desempenhadas” por Tiago Teixeira e Elsa Tavares. “Fê-lo com o intuito de ocultar o propósito de ter dispensado Bruno Rodrigues e Fernanda Caetano e de criar necessidade de contratação” que de outra forma não existiria. “Com estas condutas, o arguido violou os princípios da legalidade, imparcialidade, justiça, boa-fé, da prossecução do interesse público, da boa administração e da igualdade de tratamento que norteiam quer a gestão dos recursos humanos, quer a contratação de aquisição de serviços pelas autarquias locais”.
Há um ano, uma investigação da CNN Portugal sobre contratos entre juntas de Lisboa e militantes dos partidos mostrou como o autarca socialista fez dois contratos, no espaço de um ano, com Luís Filipe da Silva Monteiro, atual membro socialista da assembleia de freguesia da Estrela e anterior deputado Municipal de Lisboa pelo PS. Na altura, António Videira garantiu que não há “qualquer incompatibilidade com o exercício de membro de assembleia de freguesia da Estrela” com o exercício de assessor da Junta de Marvila, isto porque trata-se de “populações distintas e estratos sociais completamente opostos”.
Esta também não é a primeira vez que a Junta de Marvila se vê envolvida em casos criminais. Em abril deste ano, o ex-presidente Belarmino Silva foi condenado a quatro anos com pena suspensa pelo crime de corrupção passiva para ato ilícito. O tribunal considerou que, entre 2010 e 2011, o autarca beneficiou a namorada do presidente da junta do Beato num concurso público para a sua junta. Também o antigo autarca do Beato, Hugo Xambre, foi considerado culpado pelo mesmo crime, mas por ter beneficiado a filha do na altura presidente da Junta de Marvila.