Os 586 médicos que subscreveram a carta aberta à ministra da Saúde afirmam que vão usar o seu “direito legal de não fazer mais do que as 150 ou as 250 horas extra”, caso as negociações com os sindicatos não cheguem “a bom porto”. Os médicos lamentam que “tudo aquilo” que a ministra oferece aos médicos seja “incentivos por mais trabalho”.
Cerca de 600 médicos enviaram este sábado uma carta aberta à ministra da Saúde a expressar a sua indisponibilidade de fazer mais horas extraordinárias, além das previstas na lei, caso não haja acordo com os sindicatos nas negociações.
A intenção da carta é “alertar a senhora ministra de que nós, médicos, estamos vigilantes, estamos atentos, a tudo o que se está a passar em termos de negociações com os sindicatos e que temos linhas vermelhas que ela já conhece e que são exatamente as mesmas do ano passado”, disse à agência Lusa Helena Terleira, do movimento Médicos em Luta, promotor da iniciativa.
A especialista em Medicina interna adiantou que na carta aberta, subscrita por 586 médicos e enviada à meia-noite, os médicos afirmam que vão fazer valer o seu “direito legal de não fazer mais do que as 150 ou as 250 horas extra”, conforme esteja no regime normal ou dedicação exclusiva nos serviços de urgência, caso as negociações que estão a decorrer não cheguem “a bom porto”.
“Consideramos que, de facto, é a única medida que nos resta, uma vez que até agora, infelizmente, não tem havido avanços na negociação com os sindicatos, disse Helena Terleira.
A representante do movimento Médicos em Luta deixa críticas à ministra Ana Paula Martins e sublinha que é preciso fazer mais para reter os clínicos no Serviço Nacional de Saúde.
“A senhora ministra continua num registo contra o qual temos vindo a lutar. Nós consideramos que o caminho para que se resolvam os problemas do SNS passa por reter médicos no SNS e só se retêm médicos no SNS se nós conseguirmos tornar a carreira atrativa e isso passa por tabelas salariais que nos façam repor o poder de compra perdido, passa por passar às 35 horas, como todos os profissionais da função pública, passa por integrar os internos na carreira médica. Portanto, estas medidas que tornam o SNS atrativo são a única forma de reter médicos no SNS e captar algum alguns dos que já saíram para voltarem ao SNS”, explica à TSF Helena Terleira, avisando que o país corre o risco de assistir a uma “espiral de destruição” no SNS.
Risco de debandada de médicos…
“Se nós continuarmos a viver à base de suplementos, de incentivos e de prestadores de serviço, o SNS é uma espiral sem retorno, vai destruir-se em pouco tempo.Corre-se o risco de haver uma debandada de médicos para o privado e corre-se o risco – ainda mais perverso -, na minha opinião, que é as pessoas rescindirem contrato dos cargos que ocupam e passarem a assinar contratos como tarefeiros. Como tarefeiros que trabalham por tranches, por tarefas, por serviços e deixamos de ter quadros médicos, deixamos de ter serviços, deixamos de ter formação de internos e com isso destruímos o SNS”, sublinha.
A especialista adiantou que até agora os médicos, por “uma questão de boa vontade, por uma questão de que queriam segurar o SNS” e porque acreditavam que as negociações iam “chegar a bom Porto”, faziam mais do que 12 horas seguidas nas urgências e mais do que as duas urgências semanais.
Neste momento os médicos, mesmo não assinando a minuta da indisponibilidade para o trabalho suplementar além do obrigatório, não estão disponíveis para isso.
“Se nós víssemos da parte do ministério uma vontade de negociar a sério, as pessoas davam mais, mas as pessoas não podem continuar a dar o que têm e o que não têm, sacrificar a sua vida pessoal, sacrificar a sua família, sacrificar o seu lazer em função de um serviço em que infelizmente não se vislumbra que haja melhorias a curto prazo”, disse a médica.
Ministra só pede trabalho…
Lamentou ainda que “tudo aquilo” que a ministra oferece aos médicos seja “incentivos por mais trabalho”, mas não fala de conrapartidas, nomeadamente a nível financeiro.
“A única coisa que a senhora Ministra nos diz é: Vocês fazem 40 horas, mas se quiserem ganhar mais uns trocos, vão ter que fazer 50, 60 ou 70 horas semanais. Isso é uma sobrecarga terrífica numa profissão que tem nas mãos a vida das pessoas”, enfatizou Helena Terleira.
Na carta aberta, os signatários dizem que irão fazer “valer a sua declaração de indisponibilidade para a prestação de trabalho suplementar, com impacto negativo na dinâmica dos serviços de saúde que estão (…) claramente dependentes do trabalho extraordinário dos médicos”.
“Entendemos a complexidade e importância do Serviço Nacional de Saúde e reconhecemos os esforços para manter o seu funcionamento adequado. No entanto, as condições de trabalho atuais têm impactado negativamente a saúde mental, física e a qualidade de vida de todos os profissionais de saúde”, afirmam na missiva.
Os médicos referem que estão unidos na “busca da melhoria de condições” na profissão, “que resultarão em benefícios não só para o Serviço Nacional de Saúde”, como para toda a população, e dizem que aguardam “uma resposta célere por meio de ações concretas”.