“Espero que haja bom senso e se encontre uma solução que garanta estabilidade. As eleições são legítimas. A mim preocupa-me mais é o dia a seguir às eleições”, diz António Vitorino, presumível candidato a Presidente da República. O mesmo pensam os dois principais candidatos a Primeiros Ministros: Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, que esta segunda-feira foram às televisões. O que perder as eleições vai ser obrigado, até pelo próprio aparelho partidário, a renunciar à liderança do partido que “chefia”.
Ao fim do dia desta terça-feira, Portugal vai saber se vai para eleições legislativas antecipadas. Se os partidos mantiverem a indicação de voto que têm dado, a moção é reprovada e o Governo cai. Nesse cenário, o Presidente da República irá ouvir os partidos com representação parlamentar a partir de quarta-feira. No dia seguinte, quinta-feira, convoca o Conselho de Estado, no final do qual emitirá uma nota.
Perante este cenário, os líderes dos dois principais partidos portugueses (Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos) foram às televisões, já em “modo” de pré-campanha eleitoral, explicar “as suas razões”. Enquanto Luís Montenegro não admite retirar a moção de confiança que apresentou no Parlamento e está convicto de que não cometeu nenhum crime, avançando como candidato mesmo que seja constituído arguido. Pedro Nuno Santos, diz que os socialistas vão manter o chumbo da moção de confiança e qualificou esta moção como um “pedido de demissão cobarde” do primeiro-ministro.
Dirigentes socialistas e sociais-democratas consideram que só o Presidente da República pode impedir uma crise política através da sua magistratura de influência, convencendo o primeiro-ministro a retirar a moção de confiança.
“Naturalmente que hoje o conjunto da sociedade portuguesa e das suas forças vivas, todos desejam que não haja uma crise política, mas neste momento e em função destes factos só mesmo o Presidente da República pode impedir que haja uma crise política exercendo a sua magistratura de influência”, defendem.
Apesar de não o admitirem, tanto Luís Montenegro como Nuno Santos também gostariam que Marcelo exercesse a sua magistratura de influência e evitasse eleições antecipadas, porque ambos têm muito a perder: só um deles é que pode ganhar. Quem está a esfregar as mãos de contentamento é André Ventura que, segundo as sondagens entretanto divulgadas, manterá o terceiro lugar, mas reforçará a sua bancada parlamentar.
Mas vamos ao que disseram os dois principais candidatos a Primeiro-ministro em “defesa da sua dama”, começamos por Luís Montenegro que, em entrevista à TVI, garantiu que não vai retirar o texto – que vai atirar o país para eleições – e que vai, “com certeza”, ser candidato a primeiro-ministro, mesmo que o Ministério Público o venha a constituir arguido neste processo, adiantando que PSD vai reunir o Conselho Nacional na próxima semana, mas nada indica que haja alguma crise de liderança.
Montenegro afirma: “só quero estar à frente do PSD se o PSD quiser, mas tudo indica que é isso que o PSD quer”, lembrando que foi legitimado há poucos meses.
Luís Montenegro está consciente de que não violou nenhuma regra e que é por isso que não se demite: “Não me demito porque não tenho razão para me demitir”. Questionado sobre se avança na mesma como candidato se for constituído arguido, Montenegro diz que sim.
“Se houver alguma razão, tomarei a iniciativa de sair”, volta a dizer, afirmando que tem sabido fazer a leitura das suas funções e que não é preciso que lhe apontem a direção da porta.
Confrontado com o exemplo de António Costa, que tinha uma maioria absoluta e que se demitiu propondo um novo nome para o lugar, Montenegro insiste que não é a circunstância de ser arguido que o levará a mudar de posição. “Esta situação não é agradável, não é. Mas não tem nenhuma interferência no exercício político”, diz. E reafirma que só será primeiro-ministro se for esse o resultado das eleições.
Montenegro assume “alguns erros” de comunicação
“Com certeza cometi alguns erros na comunicação, podia ter feito intervenções mais vezes. Cada um tem o seu estilo, eu entendi que devia responder no Parlamento com a solenidade exigida, e respondi aos jornalistas que me fizeram perguntas – mas também entendi que não adiantava responder porque escreviam na mesma”, assume, afirmando que a oposição vai “ter uma surpresa” quando não descobrir nada do que anda à procura.
Para o ainda Primeiro-ministro, a doação de quotas aos filhos foi um “passo maior do que tinha inicialmente previsto”, porque os filhos ainda não têm a maturidade exigida para ter a totalidade da empresa.
Questionado sobre o facto de as avenças da empresa também terem beneficiado, indiretamente, o primeiro-ministro, que depois poderia decidir sobre elas na governação, Montenegro afirmou que pediu sempre escusa, e afirmou que os seus ministros sabiam da sua relação comercial com estas empresas.
“Pedi escusa sempre que foi necessário pedir escusa. Absolutamente. Os meus ministros sabem que eu não intervenho sempre que há qualquer coisa que possa suscitar alguma dúvida”, diz. “Eu não faço, não fiz nem vou fazer fretes a ninguém. Eu não tirei nenhum benefício desta empresa”.
Montenegro explica ainda que passou as suas quotas na Spinumviva porque não queria ter que ver com a gestão diária da empresa, e que é isso que faz com que haja violação do princípio da exclusividade. Não é o facto de ter quotas numa empresa ou sociedade, mas sim ter participação ativa na gestão da empresa, coisa que diz que não tinha. Montenegro diz que não tem nada que ver com a gestão da empresa desde que se tornou presidente do PSD.
Pedro Nuno Santos: “A política sem ética é uma vergonha”
Vamos agora ao líder do PS que voltou a assegurar esta segunda-feira à noite, entrevistado na SIC, que vai votar contra a moção de confiança ao Governo que o Parlamento discutirá esta terça-feira. Essa moção – disse – “é na verdade um pedido de demissão cobarde” porque há muito que Luís Montenegro “sabe de antemão” que seria chumbada pelo PS se fosse apresentada.
Recordando que há um ano começou a avisar que o PS votaria contra uma moção de confiança, o líder socialista somou a este argumento que a “crise dos últimos dias acrescentou motivos” para a chumbar.
No entender do líder socialista, a única razão que levou Montenegro a avançar para a moção de confiança foi o facto de o PS ter avançado com uma comissão parlamentar de inquérito (CPI). Recordou, neste contexto, que até se ouviram ministros (como o das Finanças) dizer que o Governo não avançaria para a moção de confiança sendo chumbada (como foi, devido à abstenção do PS) uma segunda moção de censura (a do PCP).
Para Pedro Nuno Santos, “as suspeitas sobre Montenegro são graves”, nomeadamente de que não existiram de facto serviços prestados pela Spinumviva (empresa criada por Montenegro em 2021) ao Grupo Solverde ou então que esses serviços foram prestados “a preços muito elevados”.
Para Pedro Nuno Santos, os factos apontam para a possibilidade de Montenegro ter mantido a empresa viva só para continuar a receber avenças mesmo sendo já primeiro-ministro. Ou seja, o país pode ter um primeiro-ministro “que não é livre” nem tem “autonomia” face a “alguns empresários”.
Assim, disse, a comissão de inquérito que o PS vai criar no Parlamento irá também exigir documentos que provem que os serviços foram prestados – sendo precisamente por ter poder para isso que o PS avançou desta forma e não com perguntas escritas ao PM, como fizeram o BE e o Chega.
“A comissão parlamentar de inquérito é o único instrumento que permite ter acesso a prova documental, mapa de horas dedicado ao trabalho, o relatório do trabalho que foi feito, as interações, os e-mails. Isto é, as provas que provam que, de facto, há trabalho que justifique as avenças que são pagas”, justificou.
Referiu ainda o caso de a Spinumviva ter ganho de uma empresa 238 mil euros quando depois essa mesma empresa revela resultados líquidos em 2022 de apenas 13 mil euros – sendo que, além do mais, segundo Pedro Nuno Santos, Montenegro não tem conhecimentos enquanto advogado para conduzir reestruturações empresariais.
Pedro Nuno Santos cita Sá Carneiro
Falando assim em “exemplos claros” de que o caso aponta para a “atuação de um primeiro-ministro sem ética”, o secretário-geral atirou contra o atual chefe do Governo uma frase de Francisco Sá-Carneiro: “A política sem risco é uma chatice e sem ética é uma vergonha”.
Questionado pela jornalista Clara de Sousa sobre os riscos que ele próprio corre agora com novas legislativas no horizonte, caso as perca de novo, Pedro Nuno Santos repetiu a frase: “A política sem risco é uma chatice e sem ética é uma vergonha.”
Refutando os argumentos segundo os quais o PS, como o Bloco ou o Chega, deveria também ter apresentado perguntas por escrito a Montenegro, o líder socialista disse que o PS fez várias “perguntas orais” no Parlamento e que essas “valem tanto quanto as perguntas escritas”.
Afirmou, por outro lado, que aquilo em que assenta o “crescimento do populismo” é precisamente a forma como o primeiro-ministro tem atuado ao “atirar para debaixo do tapete os problemas”.
“É clarificar, é discutir, é apurar. E neste momento já não há resposta escrita, não há resposta oral que resolva a suspeita que só é resolvida se nós conseguirmos ter acesso às provas, aos documentos que comprovam que o trabalho foi realizado”, insistiu, assegurando também, novamente, que o PS prosseguirá com a CPI na próxima legislatura.