“Não nos encostem à parede”, foi o slogan mais ouvido este sábado à tarde entre a Alameda Afonso Henriques e o Martim Moniz, no centro da capital, durante uma marcha com organizações da sociedade civil, imigrantes e rostos da esquerda parlamentar contra a xenofobia e o racismo. O Chega de André Ventura montou, por sua vez, na Praça da Figueira uma vigília de apoio às forças de segurança, tentando passar a imagem que Portugal “vive tempos de insegurança” e que a violência criminal “está a ser o novo dia-a-dia e o novo normal dos portugueses”, contrariando assim, os ‘observatórios’ de segurança nacionais e internacionais que consideram que Portugal, Islândia e Dinamarca são os três países mais seguros do mundo para viajar.
Milhares de pessoas manifestam-se na tarde deste sábado (11 de janeiro), em Lisboa, numa marcha de protesto contra a atuação da polícia na zona do Martim Moniz que visou dezenas de imigrantes, que foram encostados às paredes dos prédios da rua do Benformoso no mês passado. O anúncio desta manifestação, entre a Alameda e o Martim Moniz, motivou a organização pelo partido Chega de uma vigília de apoio à PSP para a mesma tarde, denominada “Pela autoridade e contra a impunidade”.
Vários representantes de partidos de esquerda integraram este sábado a manifestação, denominada “Não nos encostem à parede”, contra o racismo e a xenofobia em Lisboa, alegando a necessidade de combater divisões na sociedade portuguesa e respeitar valores como a liberdade e a democracia.
Sobre a manifestação, em que participaram dirigentes do PS, BE, PCP, PAN e Livre, já mereceu um comentário de Luis Montenegro que, a partir do encontro nacional de autarcas do PSD, em Ovar, mencionou a manifestação, com milhares de pessoas, que se realizou ao mesmo tempo no Martim Moniz, assim como a vigília do Chega.
“Num dia onde os extremos erguem cada um a sua bandeira em contraponto, em conflito aberto para o outro, nós somos o elemento aglutinador, de confluência, de moderação”, vincou referindo-se aos partidos presentes na manifestação contra a ação policial no Martim Moniz, em dezembro.
A partir de Braga, onde apresentou os cabeças de lista às Câmaras Municipais do distrito, Pedro Nuno dos Santos, líder do PS, falou sobre a manifestação deste sábado recusando a ideia de que era contra a polícia e lembrando que mostrou todos os valores do Portugal democrático.
“Eu sei que há outra manifestação de extrema-direita, com pouca gente. Este dia mostra também bem onde é que estão os portugueses. Os portugueses estão do lado da democracia, da liberdade, da segurança mas da segurança efetiva”.
Pedro Nuno Santos criticou a instrumentalização da polícia por parte do Governo e garantiu que o PS não participará em manifestações contra a polícia. “É mau para os polícias serem usados e instrumentalizados pela extrema-direita em Portugal”.
Já a líder parlamentar socialista, Alexandra Leitão, em declarações aos jornalistas, afirmou: “A mensagem do PS é que isso não é uma manifestação contra ninguém. É uma manifestação de defesa dos valores do Estado de Direito”.
A semelhança do líder socialista, a dirigente do PS salientou ainda que a polícia “não deve ser instrumentalizada por discursos” de divisão “que não fazem nada para resolver os problemas dos portugueses”.
“O que rejeitamos são retóricas divisivas e artificiais que servem apenas para o Governo tirar o foco daquilo que é importante que é resolver os problemas dos portugueses”, realçou Alexandra Leitão, para quem a polícia de proximidade, a videovigilância e a iluminação pública são as formas de combater a insegurança e “não operações que não têm outra função senão desviar a atenção dos problemas dos portugueses”.
A coordenadora do BE, Mariana Mortágua, defendeu que o que une hoje vários partidos nesta manifestação “é o orgulho do antirracismo” e “a coragem da solidariedade nos momentos mais difíceis”.
“É por isso tão importante estarmos aqui com comunidades de imigrantes, com associações de imigrantes, com outros partidos políticos, com pessoas que se querem juntar nesta celebração”, afirmou.
Questionada sobre a vigília promovida pelo Chega, a líder do BE contrapôs que o centro deste dia deve ser “a capacidade de uma democracia para se unir”, dizendo não querer falar de outros protestos hoje.
“O único receio que devemos ter é o receio de ficar calados, em silêncio. É o receito do medo. Quem tem a coragem da solidariedade, quem tem orgulho nessa posição de união, de antifascismo, de solidariedade, de democracia, não tem receito de nada, porque a democracia é tudo o que vale a pena defender”, afirmou.
Pelo PCP, João Ferreira alertou que a “instrumentalização, por parte do poder político, das forças de segurança é um perigo” para a população, para os próprios agentes e para a democracia.
“Quando essa instrumentalização é feita para voltar grupos da população uns contra os outros mais perigoso se torna ainda, porque hoje é contra uns e amanhã será contra nós todos”, referiu o dirigente do PCP.
Segundo referiu, este momento deve servir para afirmar que os direitos, liberdades e garantias inscritas na Constituição da República “têm de ser mesmo para valer para todos, sem discriminações ou exclusões de nenhuma espécie”.
Contra-manifestação do Chega
Uma posição diametralmente oposta é defendida por André Ventura, que classificou como ilegítima a manifestação antirracismo em que estão presentes os partidos de esquerda por ser “contra polícias e magistrados”, e acusou o Governo de ter “cedido à pressão”.
André Ventura falava à chegada à concentração promovida pelo Chega na Praça da Figueira, em Lisboa, denominada “Pela autoridade e contra a impunidade” – que juntou algumas centenas de pessoas – e convocada depois do anúncio da manifestação contra o racismo e a xenofobia convocada pela esquerda.
“Eu não quero provocar ninguém, mas tenho a certeza disto: há muitas manifestações, num sentido e noutro, talvez esta manifestação de hoje seja a mais ilegítima que alguma vez existiu aqui ao lado no Martim Moniz, porque é verdadeiramente contra a polícia, verdadeiramente pelos bandidos”, disse.
Ventura acrescentou que, além de ser contra a polícia, a manifestação é também contra os juízes “que ordenaram a ação que decorreu no Martim Moniz”, salientando que não foi apenas a polícia que levou a cabo aquela ação.
O líder do Chega estendeu as críticas ao Governo e ao primeiro-ministro, Luís Montenegro, por algumas semanas depois da operação policial ter afirmado não ter gostado de ver a imagem de imigrantes encostados à parede.
“Devia ter tido a coragem – e até podia ter estado aqui – devia ter tido a coragem de dizer: quando se começa ao lado das forças de segurança, vai-se até ao fim. Porque o que os portugueses precisam hoje é de políticos que vão até ao fim, que não tenham medo, que não cedam à pressão”, considerou, acusando as restantes forças políticas de terem cedido a essa pressão.
Ventura explicou que o Chega organizou esta vigília porque a manifestação “organizada hoje pela esquerda tinha que ter resposta”, responsabilizando também a comunicação social por ter habituado esta área política “a viver num país em que não havia contraponto” e a terem mais peso mediático do que a sua representação parlamentar.
“Eu gostava que muitos destes líderes de esquerda, quando estiverem com um problema, em vez de chamarem a polícia, chamem o Batman, ou chamem o super-homem, ou chamem alguém que venha com cravos vermelhos para lhes resolver os assaltos às casas, a violação das namoradas ou dos namorados, os ataques à propriedade”, criticou.
O líder do Chega recusou que o partido esteja a dividir o país ou que esteja a fazer crescer a insegurança, quando questionado sobre o número de meios policiais mobilizados para acompanhar a manifestação contra o racismo e esta vigília.
“Nós vamos continuar a sair à rua, uma, outra e outra vez. E tenho a certeza que a maior parte dos portugueses concorda com o que estamos aqui a fazer hoje. E mesmo os que não estão cá, se tivessem que escolher um dos lados, diriam que querem um país em que haja mais direitos para as pessoas normais do que para os criminosos”, afirmou.
Tempos de insegurança
Portugal “vive tempos de insegurança” e a violência criminal “está a ser o novo dia-a-dia e o novo normal dos portugueses”, diz André Ventura de ‘boca cheia’, mas sem apresentar uma única prova que comprove essas afirmações, contrariando assim, os ‘observatórios’ de segurança nacionais e internacionais que consideram que Portugal, Islândia e Dinamarca são os três países mais seguros do mundo para viajar.
No índice global da paz, Portugal mantém-se desde 2015 no top-10, mas desceu nos últimos anos de segundo para sétimo, o que é interpretado como uma degradação na segurança do país. Contudo, essa descida não pode e nem deve ser considerada preocupante, afirmam os especialistas em segurança e, por isso, não entendem a atitude de André Ventura e do Chega de se aproveitarem de um caso isolado para lançarem as “sementes de ódio racial”
Entre os 15 países menos seguros do mundo, as Filipinas encabeçam a lista com um índice de 82,32 em 100, seguidas da Colômbia (79,21 pontos) e do México (78,42 pontos), “três países com um elevado nível de violência em suas sociedades”, seguindo-se a Índia (77,86 pontos), aponta a HelloSafe, plataforma especializada na comparação de produtos financeiros, oferecendo também tópicos relacionados ao consumo global.