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O Crepúsculo de Ivan Jacinto

Artigo de Opinião de José de Alenquer

De Visionário a Vendedor de Ilusões Baseado na obra “A Morte de Ivan Ilitch” de Lev Tolstói

No conto magistral de Tolstói, A Morte de Ivan Ilitch, acompanhamos um homem que, ao confrontar-se com o fim, se apercebe de que viveu uma existência moldada por convenções, aparências e ilusões — e que só no derradeiro instante reconhece a verdade que sempre se recusou a ver. A história é uma meditação sobre o poder da vaidade, a negação da realidade e a angústia de uma consciência tardia. E em Idanha-a-Nova, essa mesma narrativa parece repetir-se — não numa sala de hospital, mas entre gabinetes de um edifício municipal a desfazer-se em dívidas, promessas por cumprir e desalento popular.

Na vasta planície raiana onde o tempo parece correr devagar, ergue-se o concelho de Idanha-a-Nova, terra outrora promissora, hoje mergulhada num silêncio desconcertante. Armindo Jacinto, o presidente socialista que durante mais de uma década liderou o município, vive agora o crepúsculo do seu mandato. E à semelhança de Ilitch, fê-lo envolto em discursos sobre inovação, sustentabilidade e prestígio internacional. Durante anos, foi o rosto de um projeto que parecia irredutível à crítica — associado a iniciativas verdes, festivais de dimensão global como o Boom Festival, discursos em Bruxelas e um léxico cuidadosamente escolhido: “resiliência”, “empreendedorismo rural”, “internacionalização”.

Mas atrás do biombo da retórica, Idanha-a-Nova definhava. As escolas esvaziam-se. Os jovens partem. Os serviços públicos encerram ou são transferidos. E as contas municipais, que o presidente afirma serem “sólidas e sustentáveis”, são vistas por muitos — técnicos, imprensa, oposição — como desequilibradas, endividadas e à beira de um colapso silencioso.

A história recente do município está marcada por uma sucessão de episódios que parecem retirados de uma tragédia russa. O ambiente político idanhense tem sido marcado por suspeitas de favorecimentos a familiares e amigos próximos do autarca, decisões opacas, negócios atribuídos sem a devida transparência, e projetos que nunca passaram do papel — como o famoso “Centro de Inovação”, anunciado com pompa e circunstância, mas cujos frutos são hoje invisíveis ao cidadão comum. A contestação local, outrora tímida, tornou-se sonora: são cada vez mais os que apelidam Armindo Jacinto de “Vendedor de Ilusões”.

Um dos episódios mais ilustrativos desta gestão é o famigerado “caso dos quadros”. A artista plástica Cristina Rodrigues viu as suas obras, encomendadas pela autarquia para uma instalação artística, serem danificadas por funcionários municipais após desentendimentos. O caso chegou a tribunal e resultou numa condenação que obriga o município a pagar cerca de meio milhão de euros de indemnização — um valor incomportável para os cofres locais. A TVI, na sua rubrica Exclusivo, deu-lhe visibilidade

nacional, e a imagem de Armindo Jacinto sofreu um rombo difícil de disfarçar. Dinheiro público. Dinheiro do povo.

As redes sociais enchem-se de relatos, denúncias e desabafos. Nas ruas da vila, ouvem-se críticas antes sussurradas em cafés, agora ditas em voz firme. “Ele vendeu-nos sonhos e deixou-nos dívidas”, dizem. E enquanto o presidente continua a discursar sobre prémios, visitas internacionais e parcerias estratégicas, o povo interroga-se sobre os esgotos que rebentam, as estradas que se desfazem e os empregos que não chegam.

Tolstói descreve o momento em que Ivan Ilitch percebe que tudo o que construiu era falso, superficial. Não é de espantar que o mesmo possa ser dito desta presidência — onde a aparência substituiu a substância, e o marketing tomou o lugar da boa gestão. A “marca Idanha” foi promovida lá fora enquanto os problemas cresciam cá dentro. É o drama de tantos municípios do interior: mais preocupados em parecer do que em ser.

Hoje, com o mandato a chegar ao fim, Jacinto parece viver numa espécie de negação política. O discurso continua triunfalista, as críticas são desvalorizadas como ataques de má-fé, e os alertas sobre a situação financeira são ignorados ou contornados com tecnicismos. Mas a realidade tem um peso que nem a oratória mais polida consegue esconder.

O crepúsculo de Ivan Jacinto não é apenas o fim de um ciclo político — é o espelho de uma liderança que se afastou do essencial: servir. E, como em Tolstói, resta saber se neste último acto haverá espaço para a verdade, para o arrependimento ou para um gesto genuíno de humildade.

Idanha-a-Nova merecia mais. Merecia que o futuro não fosse apenas um conceito decorativo em discursos, mas uma realidade concreta na vida de quem lá vive. E talvez, como Ivan Ilitch, também o seu presidente descubra — ainda que tarde — que a verdade liberta. Mesmo quando chega no final.

O Crepúsculo não é o fim — apenas a sombra do que foi

Tal como Ivan Ilitch, também Ivan Jacinto — personagem moldada nas páginas reais de Idanha-a-Nova — parece ter entrado num longo crepúsculo, não abruptamente como uma morte trágica, mas num lento e quase imperceptível desvanecer. A negação da realidade, o apego às aparências e o orgulho em construções ilusórias sustentadas por discursos ocos, espelham o lento definhar da personagem de Tolstói — não só física, mas existencialmente.

E, no entanto, o fim de Ivan Ilitch não foi apenas dor: foi também revelação. Um instante de lucidez que permitiu vislumbrar o vazio que deixara atrás de si. Resta saber se Armindo Jacinto, ao contrário do protagonista literário, encontrará alguma vez esse lampejo de consciência — ou se optará por manter-se nas sombras, como eco longínquo de um poder que se recusa a desaparecer.

Os rumores que percorrem as praças e cafés de Idanha falam de Elza Gonçalves, ex-vereadora e nome já sobejamente conhecido, como possível sucessora política de Jacinto

nas fileiras socialistas. Uma candidata apadrinhada, talvez, por um mentor ainda presente nos bastidores — o “Ivan” que não sai verdadeiramente de cena, mas que se transforma no influenciador invisível, no conselheiro de gabinete, na sombra por detrás do novo rosto.

Mas os ventos de mudança já sopram forte sobre o distrito de Castelo Branco. As eleições legislativas de 18 de maio deram sinais inequívocos: a coligação AD (PSD/CDS) emergiu com renovada força, e o partido Chega obteve um resultado que, mesmo sob o habitual desprezo mediático, não pode mais ser ignorado. A vontade popular está a mudar — e exige mudança. Uma mudança profunda, talvez até “radical”, como gritam muitos daqueles que há muito foram esquecidos pelas promessas vãs e pelos eventos de fachada.

Neste cenário, Idanha-a-Nova, outrora exemplo de inovação e esperança, enfrenta uma encruzilhada: continuar sob o domínio de uma dinastia socialista que se reinventa com novos nomes, mas velhas práticas, ou ousar um corte, uma verdadeira rutura, que devolva à terra a dignidade perdida, os jovens que partiram, os serviços que colapsaram, e a esperança que se esfumou.

Como Ivan Ilitch, também este ciclo chegou ao fim. E no silêncio do crepúsculo, resta saber: será que alguém ouvirá o grito abafado do povo?

 

Quem é José de Alenquer?

Observador atento da realidade, apaixonado por palavras e pelo seu poder de revelar o que muitas vezes é deixado nas entrelinhas. Partilha ideias, reflexões e ensaios sobre o que nos rodeia — a sociedade, a cultura, os desafios do nosso tempo.

Escreve para questionar, para despertar consciências, para recordar que o pensamento não deve ser conduzido, mas sim cultivado com liberdade e responsabilidade. Não procura consensos fáceis. Procura fidelidade à verdade, mesmo quando ela incomoda. Acredita que a escrita pode e deve iluminar zonas sombrias, abrir janelas num país onde tantas portas se mantêm fechadas.

Cada palavra é escolha, cada texto é convite à reflexão. José de Alenquer convida a pensar livremente e a ler com atenção. Apenas deseja que cada um construa o seu próprio caminho.

José de Alenquer é um cidadão que se recusa a viver calado, num país onde o pensamento livre se tornou perigoso. Acredita que o verdadeiro perigo não está em dizer o que se pensa — mas em aceitar o silêncio imposto por medo de represálias.

Nos seus textos não existem filtros, mas sim factos. Não há slogans vazios, há análises fundamentadas. Escreve por ele próprio — mas talvez também com cada um de vós.

Porque ainda há quem não se conforme. Ainda há quem lute. E Portugal merece mais do que a mentira confortável de quem vive do sistema.

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