Segunda-feira,Abril 28, 2025
12.3 C
Castelo Branco

- Publicidade -

O Éden dos Parolos e o chocolate do Dubai

Há mais uma moda a infestar a pátria, como praga de gafanhotos em campo de trigo maduro. Desta vez, baptizaram-na de “Chocolate do Dubai”, expressão que soa como “Ópera do Cacém” ou “Caviar de Odivelas”. Trata-se de um tijolo açucarado, mistura de pistáchios rançosos — sobras da última seca californiana — com uma massa que imita betão armado, tudo envolto numa substância que os seus criadores, num acesso de génio publicitário, ousaram chamar “chocolate”. Basta uma influencer de Cascais a exibi-lo entre unhas de gel e dentes alinhados por aparelho invisível para que o país se prosterne, em êxtase colectivo, ante a iguaria. Como se, subitamente, a nação que inventou os pastéis de Belém precisasse de lições de doçaria de um emirado cujo produto nacional mais famoso é o petróleo e a escravatura moderna.

A Ascensão dos Tijolos Dourados

A narrativa é conhecida: um produto medíocre, vestido de bling-bling semiótico, transforma-se em objecto de culto. O “Chocolate do Dubai” não é alimento, é um santinho que brilha à noite. Um símbolo de ascensão social tão subtil como um BMW estacionado em frente à casa de renda resolúvel. A sua receita — que incluiria, segundo os rumores, ouro comestível e lágrimas de unicórnio — é guardada com mais segredo que os arquivos da Torre do Tombo. Mas a verdade é mais prosaica: trata-se do velho truque de vender neve aos esquimós, agora aplicado a um país que, não há um século, exportava nada para a Europa.

Aqui reside o primeiro acto de genialidade perversa: convencer o europeu médio de que um produto oriundo de um deserto sem tradição doceira é superior aos ovos moles de Aveiro ou às queijadas da Sernancelhe. É como preferir um kebab de Évora ao Leitão da Bairrada. O segredo? Marketing, claro. Basta associar a iguaria a hashtags como #luxo, #exclusivo e #Dubai — palavra que, sozinha, faz brilhar os olhos de qualquer licenciado em gestão de eventos a viver no quarto dos pais.

Não contentes com a febre do chocolate, os arautos da parvoíce já anunciam estudos científicos para legitimar a moda. O Instituto de Astro-Gastronomia de Dubai (cuja sede, curiosamente, fica num apartamento T1 em Algés) publicou um relatório afirmando que “o consumo diário de 20g do produto aumenta a auto-estima em 73 por cento e atrai parceiros sexuais através de ondas magnéticas”. A Universidade de Cambridge — sim, aquela que fica no Via Catarina — corroborou a tese, garantindo que “o chocolate em questão contém traços de fair play empresarial e democracia participativa”.

Mas o ápice chega com os “especialistas” contratados para deslumbrados programas de tarde. Na SIC, um nutricionista de barba aparada a laser explica, sério como um Papa, que “o pistáchio dubaitano é rico em ácidos gordos omega-9, molécula descoberta na semana passada durante um encontro da equipa de vendas”. Na TVI, uma histérica das manhãs exclama: “É a sobremesa do futuro! Já não se fala noutra coisa em Cannes ou na Feira de São Mateus!”.

Lista de Compras do Apocalipse

Mas sejamos justos: o “Chocolate do Dubai” é apenas o primeiro degrau. O verdadeiro horror está por vir. Eis as próximas modas que, em 2026, farão filas à porta do Continente:

1. Caviar Transmontano — Ovas de carpa do Rio Sabor, salgadas com lágrimas de idosos que pagaram IMI em 1993, vendidas em latas pintadas por artistas urbanos de Vila Real. Preço: três rins e uma promessa de estágio não-remunerado.

2. Café das Berlengas — Grãos torrados numa fábrica abandonada do Barreiro, embalados em sacos de juta com frases de Pessoa (“O café é uma ilusão, tal como a pátria”). Acompanha com livro electrónico sobre “a vida da auto-estima” escrito por um ex-CEO em crise existencial.

3. Água de Monchique com Bolhas de Ouro — Engarrafada na Fonte da Telha, enriquecida com partículas de pirita (a “mina dos parvos”) e vendida como “detox espiritual”. Inclui sessão de ioga para desempregados de longa duração.

4. Azeite Algarvio Aromatizado a Protetor Solar — Produzido em estufas de Olhão, onde turistas alemães suam a gordura corporal directamente para lagares de design. O slogan? “Sabe a férias eternas… e a contracto de trabalho precário.”

No meio deste circo, resta uma pergunta: quem compra estas coisas? A resposta está numa espécie de Síndrome de Estocolmo colectivo. Um povo que sobreviveu a ditaduras, troikas e novelas da TVI, agora rende-se a tijolos de açúcar porque alguém lhe disse que isso o fará parecer “cosmopolita”. Ironia suprema: enquanto mastigamos “chocolate do Dubai” em frente ao telemóvel, os milionários do Golfo Pérsico deliciam-se com pastéis de nata — os verdadeiros, feitos em segredo por um português emigrado que lhes cobra €50 por unidade.

Haverá esperança? Talvez. Quando o último influencer engasgar-se com um pistáchio rançoso, quando a última lata de “Caviar Transmontano” for usada como peso para papéis, talvez o país acorde. Até lá, divirtam-se. E lembrem-se: a próxima moda está a ser planeada num call center de Matosinhos, enquanto as chusmas discutem no Facebook se o chocolate é ou não de “comércio justo”…

- Publicidade -

Não perca esta e outras novidades! Subscreva a nossa newsletter e receba as notícias mais importantes da semana, nacionais e internacionais, diretamente no seu email. Fique sempre informado!

Partilhe nas redes sociais:
Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Jornalista 2554, autor de obras de ficção e humor, radialista, compositor, ‘blogger’,' vlogger' e produtor. Agricultor devido às sobreirinhas.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Destaques

- Publicidade -

Artigos do autor

Não está autorizado a replicar o conteúdo deste site.