Hoje, ao refletir sobre o festival que se autoproclamou o mais solidário na cidade de Castelo Branco, não pude deixar de questionar se este realmente representava o altruísmo que apregoava ou se, na sua essência, não passava de mais uma armadilha de marketing social, onde as verdadeiras vítimas – os necessitados – são apenas peças de um cenário fotogénico para a plateia da boa consciência
Falo, claro, do festival promovido pela associação 4 Corações, encabeçado por Hélder Martins, o presidente e mentor da ideia, que, ao longo de três edições (2022/23/24), serviu sopas e refeições quentes – ou, pelo menos, assim o anunciaram. O espetáculo de generosidade teve a sua grande estreia nas ruas de Castelo Branco, com o município a investir forte em logística e finanças, enquanto as associações locais se voluntariavam, ou seriam as voluntárias, para um propósito maior. Nas entrevistas que ecoaram por aí, o foco esteve sempre na distribuição de refeições, mas ao olhar para o panorama atual, seria mais adequado perguntar: onde estão agora as sopas? Onde estão as refeições? E onde está o festival que, no passado recente, parecia garantir uma refeição quente a quem mais necessitava?
O último post na página oficial do festival no Facebook remonta a 1 de dezembro de 2023, uma mensagem a anunciar que o próximo evento será em agosto de 2024. Um cenário muito específico, como se já se soubesse o futuro da solidariedade: um evento que, como todos os outros, começaria e terminaria no calendário municipal, sem mais nem menos. No entanto, com a viragem de 2025, não há palavras, não há ações, não há sequer um movimento da Associação 4 Corações. E a pergunta que se impõe é: o que aconteceu?
Afinal, o tapete de relva novo que o município comprou para o evento foi uma boa jogada de marketing público ou uma tentativa de disfarçar o vazio deixado pelas promessas? Uma relva nova (para os campos de futebol) para um festival que não se repete. Será que os necessitados, com os quais tanto se alardeou solidariedade, desapareceram misteriosamente? Ou será que a “galinha dos ovos de ouro”, neste caso o festival solidário, voou para terras mais férteis, onde outras câmaras e outros políticos – em ano eleitoral – estejam dispostos a patrocinar generosamente a causa? Afinal, o que são alguns pratos de sopa quando comparados com votos e obras que decoram a cidade em ano de campanha?
Quem não se recorda das imagens da antiga escola do Cansado, onde a autarquia disponibilizou uma cozinha moderna, uma cozinheira profissional e até uma equipa a postos para garantir a “festa da sopa”? Mas desde esse período, não se ouviram mais novidades sobre a realidade dessas sopas, dessas refeições e, muito menos, sobre o destino das verbas envolvidas. Fica o silêncio, o manto da dúvida e a sensação de que, na política como na sopa, o que importa é o que se serve para quem está à frente da mesa – e não para quem está à mesa, a tentar aquecer o estômago com o que sobra.
E o festival? O festival solidário, que no fundo era uma ação para dar visibilidade a todos os envolvidos – ao município, à associação e aos seus patrocinadores – deixou de ser relevante. E, em vez de se erguer como um evento emblemático de solidariedade, caiu na banalidade do esquecimento, como tantas outras boas intenções que, em tempos, pareciam genuínas, mas que, passados os holofotes, se transformam em relvas bem tratadas e campos vazios.
Fica então a pergunta final: será que a 4 Corações e a Câmara de Castelo Branco estavam mais preocupadas em fazer a festa ou em garantir que a solidariedade se perpetuasse para além dos momentos de visibilidade? Será que o festival da “solidariedade” se perdeu nas areias do tempo, junto ao tapete de relva que, agora, parece apenas servir para decorar um espaço que já não recebe quem mais precisa?