Declaração de interesse: o primeiro carimbo na minha primeira carteira profissional de jornalista tem mais de 30 anos. Porém, de 2014 para cá, ausentando-me para Macau, onde permaneci uma temporada, embora curta, nunca mais tratei da sua renovação. Verdade que também não senti a menor necessidade.
Nestes tempos, ninguém pede a carteira profissional para nada e ao menos assim não precisei de me debater com as questões éticas que ferem o código deontológico, o que me permitiu durante estes mais recentes anos exercer sem constrangimentos em diversos sectores de actividade, alguns agregados a segmentos comerciais, bem como à gravação de spots publicitários ou outras coisas do género. Tal não invalida, de forma alguma, a questão fundamental de, espiritualmente, sentir-me permanentemente jornalista. E isso, não se adquire num qualquer “supermercado” universitário nem quando apenas se está no exercício da actividade. Não é por acaso que, em qualquer circunstância, sempre que me perguntam qual a profissão, respondo, sem pestanejar: jornalista.
Mas a minha escola não foi esta que tem criado estes “mestres” que pupulam que nem cogumelos, operacionais de combate, caras maquilhadas, comentadores de programas desportivos sem regras, que lesam profissão com a única missão de se tornarem rapidamente famosos e reconhecidos na rua onde habitam. Não. Ser jornalista não é vulgarizar o acto. Emitir informação não é debitar verborreia sem antes se apurar todos os factos, ouvir as partes sem excepções, falar ou escrever sem o mínimo cuidado linguístico. Ser jornalista foi e deve continuar a ser uma função nobre a ser desempenhada apenas por quem sente verdadeiramente ter uma missão a cumprir, que é exclusivamente a de informar com rigor e imparcialidade e nunca, por nunca, por quem acha que esta é mais uma ocupação que até permite pôr comida na mesa. Temo, contudo, e com imensa mágoa, que tal não seja possível e que já tenhamos atingido um tempo irreversível que, mais ano menos ano, vulgarizará ou levará à extinção o papel primordial e de excepção do jornalista.
Para o verdadeiro jornalista, palavras como «jornalixo» ou «jornaleiro», que tanto se lê por vielas digitais, deveriam ser sentidas como autênticas facadas no peito, mas, ao invés, aquilo que se “vê” é uma inexistente manifestação de indignação por parte dos que se deveriam sentir feridos e magoados, o que me deixa seriamente a pensar que, talvez, já não existam como tal. Ao contrário do que prognosticaram os grandes mestres da comunicação, a evolução tecnológica e das formas e meios de comunicação não criou a aldeia global mas antes um conjunto de aldeias separadas entre si pela cultura, a economia, o dinheiro, que se ligam através do boato, raras vezes através da informação. O jornalismo é, já hoje, uma só parcela das contas do planeta, e uma parcela pouco importante. Um jornalista tornou-se, infelizmente, num técnico especializado em relatórios, diagnósticos e pareceres. Não conta sequer o que vê, resume o que lhe dão a ver. O jornalista de corpo e alma não será sinceramente feliz no tempo actual. A obsessão com datas, idades, factos concretos, o tempo essencial para se confirmar um rumor ou o que deve constituir notícia, não é compatível com esta voragem em que se vive e que condena na praça pública, com a maior das veleidades, qualquer erro. Errar já não é humano, mais vale julgar de imediato. Parar para pensar deixou de ser um acto de sensatez para passar a ser um atraso de vida. É lamentável.
A fim de contrariar estas tristes linhas que aqui vos trago, saúdo bravamente a coragem do Fernando Jesus Pires para a criação de um “sítio” que pretende contrariar os prostituídos caminhos da informação e recuperar o que nunca deveria ter sido perdido pelo jornalismo: ética, frontalidade, seriedade, rigor, isenção e honestidade. Foi com base nessas premissas que dei o sim quando o mesmo me desafiou a participar nesta aventura. Assim vamos lá, Fernando. Bem haja.
João Pedro Martins