É possível comprar uns livros sem conhecer nem se interessar pelo conteúdo?
Claro que sim, seja pela beleza da capa ou do cheiro ou textura do papel, agreste como o papiro, doce como a seda, brilhante realçando fotografias, cru ou reciclado. Com ou sem cheiro, o papel tem personalidade e pode impor a escolha dum livro.
Continuo a passar os olhos pelas livrarias físicas, e o livro de Murakami despertou a minha atenção pela capa, mas também pelo título, “Norwegian Wood”. Cheguei a folhear e espreitar o índice mas logo fechei, não valia a pena, estava conquistado. Fez-me lembrar uma rara edição do “Culto do Chá”, de Wenceslau de Morais, cores e imagens que se harmonizam e atraem o leitor, melhor, o bibliófilo.
O que ama os livros, seja, claro, pelo conteúdo, mas também pela encadernação ou raridade.
Não confundir com bibliomania, onde a obsessão pela posse pode levar a excessos. Um exemplo desta desordem, é a personagem interpretada por Mel Gibson, no filme “A Teoria da Conspiração”, que o levava a comprar (ou roubar) um exemplar de “O Apanhador no Campo de Centeio” em qualquer livraria ou biblioteca que entrasse. Diga-se que algo de estranho e misterioso se esconde nas páginas desta obra, basta lembrar que foi a sua leitura que levou Mark Chapman a assassinar John Lennon, em 1980.
Sei de quem tenha visitado Dublin apenas para admirar O “Livro de Kells”, manuscrito ilustrado com motivos ornamentais, desenhados por monges celtas por volta do ano 800 DC e considerado o livro mais belo de sempre. Afinal, a mesma personagem que, em busca duma preciosidade guardada em Marrocos, onde só se chega atravessando dunas do Sahara, na Zauia de Tamegroute, admirou e sentiu esse Corão do século XI.
“Tal como todos os homens da Biblioteca, viajei na minha juventude; peregrinei em busca de um livro, se calhar do catálogo dos catálogos; agora que os meus olhos quase não conseguem decifrar o que escrevo, preparo-me para morrer a poucas léguas do hexágono em que nasci”, escreveu o argentino Jorge Luis Borges, na sua obra “A Biblioteca de Babel”.
Ainda não li “Norwegian Wood”, guardo-o para melhor saborear e desvendar a razão do título, que me traz muitas memórias. Mas já outra leitura me chama, fruto da lei da vida, que descobri em “Tal como És – versos e reversos do Ryokan”, com tradução de Marta Morais
Um dia nasces
E num outro morres.
Hoje
Ao anoitecer
Sopra a brisa do outono.