Ao contrário de muitos pseudo-intelectuais cá do burgo, valorizo o Festival RTP da Canção e considero o certame a grande festa anual da canção lusa. A Eurovisão da Canção, quer queiramos ou não, é um fenómeno sociológico com data marcada todos os anos e um evento mediático de dimensão mundial.
Vi a final portuguesa com agrado. O espectáculo televisivo tornou-se grandioso: quer do ponto de vista do programa de TV, quer do ponto de vista da performance (musical, artística, cénica).
Portugal não tem grandes tradições de sucesso (resultados, entenda-se) neste certame global. Além de alguns (poucos) resultados interessantes nas finais, a excepção Salvador Sobral (vitória e recorde em 2017) confirma a regra: regra geral, apresentamos canções ao arrepio das modas, do inglês, do fogo de artifício, dos efeitos especiais, dos truques cénicos, das magias naife, das bailarinas quase desnudas e dos coros de feira popular.
No entanto, para os amantes da Eurovisão, Portugal costuma ser um oásis de alma e talento, oferecendo coração numa língua tão difícil quão sedutora. Uma invulgar chancela de alta qualidade, bem atestada com a prestação transacta de Maro.
Depois de anos em que mergulhámos num marasmo, voltámos ao que somos por definição e tradição: tão diferentes (para melhor). Independentemente dos resultados, nem sempre justos e perfeitos.
Vi a final com agrado. Ouvi essa fenomenal recriação de um bocadinho dos Beatles por esse nosso génio planetário chamado Salvador Sobral; a rouquidão terna dessa grande cantora chamada Maro; e um David Fonseca, o “David Bowie português”, camaleão da pop, recriar Liverpool em estrelas como se estivesse só a respirar.
E assisti, derrotado, à vitória de Mimicat. Nada tenho contra a simpática pessoa e a cantora, empática e intérprete com técnica vocal e actuação sem mácula.
O problema é que voltámos ao tempo das canções sem alma. Não percebo. Aceito, mas não entendo. Num superevento mundial sem fórmulas, já todos sabemos que A ÚNICA FÓRMULA é sermos nós: o talento do Fado, do Folclore, da Poesia. Júri especializado e público renegaram-nos no fundo. Como se de uma traição se tratasse.
Tínhamos Edmundo Inácio, Cláudia Pascoal, Esse Povo, Inês Apenas. Entre outros/as.
Mas não. Frio. Escolheram um estupendo… número de cabaré. Bem produzido e interpretado. Mas foi um número (honesto) de cabaré.
Boa sorte a Mimicat, que eu nunca escolheria para o meu Top10. Que estas minhas palavras se apaguem numa Inglaterra cinzenta.
Só que…
Continuo a gostar da essência: letra e canção. A Música. A Melodia.
Harmonia (não é isso que almejamos?).