No último sábado, as ruas de Lisboa acolheram uma manifestação singular, digna das mais absurdas crónicas de humor político. Entre discursos incendiários e uma performance digna de um teatro do absurdo, André Ventura, líder do Chega, não se limitou a gritar por justiça; ele convocou a revolução! A cena, quase digna de uma sátira de Gil Vicente, desenrolou-se na Praça do Município e culminou na Assembleia da República. Com um público de cerca de 200 entusiastas, Ventura fez mais do que falar; ele praticamente reescreveu a história de Portugal em apenas 90 minutos.
Chegou pontualmente às 15h20, como se a sua presença pudesse transformar a realidade. Ovacionado por alguns, ignorado por muitos, Ventura destacou-se entre a multidão com bandeiras que mais pareciam um mosaico de confusões: de Portugal, do Brasil e as suas próprias, uma verdadeira celebração do eclecticismo político. Seria uma reunião de patriotismo ou apenas uma manifestação de insensatez? Os aplausos eram entusiásticos, mas o eco dos gritos do passado, as vozes de 50 anos de história, pareciam silenciar-se sob o peso da sua retórica.
“Nos últimos 50 anos só se ouviu um lado!” proclamou Ventura, como se tivesse descoberto a pólvora ao cantar o hino nacional. Mas que lado é esse? O lado que ignora as nuances, que desconsidera os avanços sociais e que opta por uma narrativa de polarização e simplificação? É fácil apelar à revolução quando se ignora o contexto, e Ventura fez exatamente isso. Entre uma invocação de Da Vinci e uma chamada à ação, o que se viu foi um espetáculo de vaidade política, onde o público aplaudia mais o actor do que a sua mensagem.
A viagem até à Assembleia da República, com paragens estratégicas para a exibição de mais slogans e clamor popular, foi uma farsa teatral. Não, não eram apenas 200 pessoas; eram 200 almas à procura de um propósito, à espera de um herói que prometia romper com a tradição. Mas qual tradição? A de um Estado de Direito que garantiu, com todas as suas falhas, direitos fundamentais? Ou a de um populismo desenfreado que busca a atenção fácil nas redes sociais e nos noticiários?
E quando Ventura ordenou a dispersão às 16h45, a verdadeira revolução parecia mais uma breve interjeição num romance de quinta categoria. O discurso incendiário não gerou mais do que uma breve chama, uma centelha que logo se apagou. “A verdadeira revolução em Portugal!” repetiu ele, mas a pergunta que paira no ar é: quem se deixou enganar por esse fervor? Os céticos, que já ouviram promessas em demasia, ou os crédulos, que ainda acreditam na possibilidade de um messias político?
Assim, à sombra do Capitólio lisboeta, a manifestação tornou-se um reflexo do que Portugal poderia ser se abandonasse a razão em favor da paixão desmedida. Ventura é, sem dúvida, um dos novos protagonistas do teatro político, mas a sua peça carece de conteúdo. O verdadeiro desafio reside em ouvir todos os lados da história, não apenas os que ecoam nas salas de espelhos da sua retórica. Se há algo que as últimas décadas nos ensinaram, é que a verdadeira revolução não se faz com gritos, mas com diálogo e entendimento mútuo.