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O poder “só fala se precisar”?

“O governo é minoritário, por isso precisa de falar com as oposições”, diz o senhor Presidente da República aos jornalistas que o perseguem e não o largam (ou será ao contrário?). A frase não tem, todavia, direitos de autor, pois pode-se ouvi-la da boca de políticos de diferentes partidos

Ela é mais uma prova da fraca cultura e educação democráticas, tão negligenciadas nestes 50 anos de democracia em Portugal. Os resultados estão à vista e assustam pela sua dimensão e efeitos, mas não é tempo, nem caso, para desistir, e sim para retomar o processo político e democrático onde ele devia ter começado ou foi interrompido, seja no plano nacional, seja no da democracia local.

Em Abrantes, onde reina há décadas uma fação partidária que confunde “maioria absoluta” com “poder absoluto”, tenho-me batido pelo respeito pelo Estatuto do Direito de Oposição, o qual, embora minimalista, garante no seu Artigo 5.º o Direito de Consulta Prévia, determinando que as forças políticas representadas na Assembleia Municipal e que não façam parte do Executivo – ou neles não assumam pelouros, poderes delegados ou outras formas de responsabilidade direta e imediata pelo exercício de funções executivas – “têm o direito de ser previamente consultadas por este” em relação às propostas de grandes opções do plano e orçamento municipal, assim como a outras questões previstas na Constituição e na lei (e não só).

Afirmar – ou simplesmente admitir – que o poder só tem de falar com as oposições se precisar, é a antítese da democracia. Mas é esta a realidade que temos, em matéria de diálogo e muitas outras, como por exemplo sugerir que as eleições são para “vencer e esmagar” os adversários – ignorando que são, essencialmente, para escolher representantes e apurar graus de representatividade – ou que o eleitorado só tem de se pronunciar nos atos eleitorais (como se a democracia ficasse, entretanto, suspensa), deixando a coisa pública para os seus representantes, privados dos necessários apoios cidadãos e livres do imprescindível escrutínio e prestação de contas.

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Como afirmam Luís Almeida e Luís Sousa no seu artigo “O direito de oposição nos municípios portugueses” (Análise Social, 232, 2019, 504-531), “a oposição política é uma das componentes fundamentais de qualquer democracia de matriz liberal-constitucional, sendo a ideia de oposição tão central à noção de democracia como a de governo”, ambos necessários e com a mesma legitimidade democrática, a mesma responsabilidade de representação, o mesmo direito e dever de participação e a mesma oportunidade de alternância, circunstâncias que nenhum sentido competitivo ou resultado eleitoral – incluindo o de maioria absoluta – pode pôr em causa.

O poder tem de falar com as oposições SEMPRE, não apenas quando precisa. E, já agora, com toda a sociedade, sem discriminar ninguém. Porque cada oposição representa uma parte (minoritária) do eleitorado, isto é, da comunidade, com as suas sensibilidades, preocupações e aspirações específicas. Em democracia, as minorias – sejam elas quais forem – são protegidas e os seus direitos respeitados, estando este princípio consagrado no corpo jurídico nacional e internacional. Falar em vitórias eleitorais “esmagadoras” e impor o programa eleitoral vencedor sem procurar acomodar as propostas das oposições, ignorando-as liminarmente, é impróprio de políticos genuinamente democratas.

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José Nascimento
José Nascimento
Tem 68 anos e vive na aldeia de Vale de Zebrinho (Abrantes). Reformado do ensino superior, onde lecionou disciplinas de gestão e psicologia social, dedica o seu tempo à atividade cívica e autárquica. É, também, membro do núcleo executivo do CEHLA – Centro de Estudos de História Local de Abrantes (editor da Revista Zahara). Interessa-se pelas dinâmicas políticas e sociais locais e globais, designadamente pelos processos de participação e decisão democráticos.

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