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O primeiro homem a descer o Evereste

O primeiro homem a descer o Evereste não tem glória. Ninguém lhe sabe o nome nem quando ou como o fez. O regresso é importante, como a partida é emocionante e a missão o motivo.

O primeiro homem a regressar da Guerra Colonial e o primeiro soldado a chegar a casa depois das trincheiras de 1914 não são conhecidos.

Nem a primeira mulher a ir para casa depois de dar uma marretada no muro de Berlim.

Hoje, pelo menos sete pessoas não regressarão a casa, para abraçar os filhos, a consola de jogos, os livros. Estão eternamente queimados num país que devia regressar ao bom senso. O fogaréu é sonâmbulo e vitriólico. Tem insónias e nunca adormece. Não regressa, não volta atrás depois de queimar. Não sabe como isso é importante.

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Regressar é importante. Voltar aos braços de alguém, a um sofá que espera, a um lugar a que se chama casa. Voltar a trabalhar, voltar a ter um ordenado, uma vida com a dignidade que se prometeu ao próprio. O cantor Tontxu diz que não é preciso viajar longe para tocar o céu. Quem morava no Carmo na madrugada de 25 de Abril de 74 lá voltou a casa certo de que a coisa estava ganha – alguém foi, mas não sabemos quem.

O primeiro sindicalista a sair da reunião com sucesso na negociação, sabe-se lá do seu passado, da sua graça. Ninguém ligou muito ao regresso do homem à Terra, depois de tocar a Lua. Aliás, diz-se sempre “a ida do homem à Lua” e nunca “o regresso do homem da Lua”.

Regressar consiste em compreender mais depressa ou cicatrizar a ferida ainda antes do lugar ou pessoa de regresso se ter perdido para sempre.

Hoje, alguém pedirá desculpa e voltará aos olhos de alguém.

A água passa muitas vezes debaixo da mesma ponte, porque se evapora do mar e regressa da chuva ao leito.

Quina carteirista pede a deus que a mate se as carteiras que encontra no chão foi ela quem as roubou e, para a semana, regressa à ameaça a nosso senhor, porque essa é a casa mais fantástica onde se desculpa no eterno retorno.

Amar a inocência do regresso é o colo. Hoje disseram que querem voltar às férias porque a missão nas aulas acabou, sorriram, enfiaram o lanche na mala e saíram sob protesto de querer regressar aos dias de pura infância e felicidade.

O primeiro homem a descer o Evereste pode ter sido uma mulher. Nunca saberemos. O regresso é íntimo, não é coisa de que se faça alarde. Ainda bem. No meio desta comunidade que tira fotos de tudo e as espalha pelo mundo – desde o pequeno almoço aos pijamas -, que bom ter um recanto de intimidade e tranquilidade.

O volver.

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Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Jornalista, autor, (pré-agricultor).

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