Acontece, caro leitor, que nesta semana de maio, enquanto o mundo observa Roma na expectativa de um habemus papam, Espinho prepara-se para um conclave paralelo. Não na Capela Sistina, mas na Capela Cisterna — um restaurante cujo nome, por acaso ou desígnio divino, evoca a gravidade de uma eleição e a fragilidade das canalizações. Fechados naquele antro de petiscos e memórias, os ex-líderes do PSD, como cardeais envelhecidos, debatem o futuro do partido. Ou será da Igreja? O autor, confesso, já não distingue.
Montenegro, o sumo-pontífice interino, convocou os seus predecessores para um almoço de campanha que, insuspeitadamente, se assemelha a um ritual de transmutação alquímica. Recordo aqui o Rosarium Philosophorum: “Igne natura renovatur integra” — pela purificação do fogo, renasce a matéria. E que melhor metáfora para a política partidária do que a combustão lenta de ex-líderes, reduzidos a cinzas retóricas, até que o fumo branco ascenda? Mas não nos adiantemos.
Rui Rio, Passos Coelho, Santana Lopes — nomes que ecoam como santos caídos num martirológio neoliberal. Cada qual trancado na Capela Cisterna, sob o olhar vigilante de garçons vestidos de acólitos, servindo aperitivos em vez de hóstias. Imagino-os a debater dogmas: “A doutrina da austeridade foi milagre ou heresia?”, “Quantos neoliberais cabem na cabeça de um trolha?”. A liturgia é clara: quem perder a votação (sufrágio, dirão os puristas) será lançado à fogueira metafórica. Santana, suspeito, já cheira a enxofre.
Eis o génio de Montenegro: transformar um almoço num auto-de-fé. Enquanto Roma elege um Papa, Espinho elege um mártir. Cavaco Silva, octogenário e osteoporótico, emerge como candidato ideal. O seu esqueleto frágil, quando queimado, produzirá fumo branco — sinal de que o Espírito Santo (ou o Espírito de S. Bento) desceu sobre as hostes. É física química: cálcio em decomposição + dívidas não declaradas = sinal divino. Resta saber se o fumo será branco ou branqueado.
Aqui, caro leitor, permita-me invocar o Concílio de Basileia-Ferrara-Florença (1431–45), onde três papas disputaram um trono enquanto o Império Otomano avançava. Paralelos? Óbvios. Enquanto o PSD queima os seus na Cisterna, a esquerda prepara-se para tomar Constantinopla. E no meio, o eleitorado — como os bizantinos — pergunta-se se resistirá até à queda das portas.
O clímax ocorrerá a 18 de maio. Troca de prisioneiros: um Papa português por um líder romano. Cavaco, de mitra e báculo, rumará ao Vaticano; um cardeal obscuro, talvez
Bergoglio II, desembarcará em Espinho para liderar o PSD. Ambos dirão missas. Ambos prometerão céus. E ambos, é claro, ignorarão o inferno na Terra.
Termino com uma citação de Afonso Cruz, esse alquimista moderno: “A seriedade é a última defesa dos tolos”. Nesta crónica, como na política, tudo é farsa — até que o fumo nos sufoque. Ou nos ilumine. O leitor decida: sátira? Profecia? Ou apenas o desespero de quem vê conclaves onde há apenas… conversas de almoço?
Nota final: Nenhum cardeal foi ferido na escrita deste texto. Quanto aos ex-líderes, já é outra história.