Cientistas e técnicos apelam à academia, organizações e sociedade civil para a união de esforços no sentido de contrariar a proposta europeia de redução da proteção do lobo, cuja decisão será tomada, esta terça-feira, na da 44ª reunião da Comissão Permanente da Convenção de Berna. Esta decorre até 6 de dezembro, em Estrasburgo. Precisa de 2/3 para ser adotada.
O principal problema apontado pela UE em relação a esta espécie são os ataques ao gado e que as populações de lobos atingiram níveis satisfatórios,
Foi num colóquio transfronteiriço sobre O Lobo Ibérico, sábado, promovido pela IRIS-Associação Nacional de Ambiente, em Lisboa, onde o seu presidente, Paulo Pimenta de Castro, manifestou preocupação pelas restrições que a alteração do estatuto do lobo possa acarretar. Reuniu investigadores portugueses, espanhóis e italianos, que explanaram a situação do lobo na região ibérica, em particular em Portugal onde se estima existirem na região do Alto Minho e também a norte e a sul do rio Douro, várias alcateias. Haverá cerca de 300 lobos.
Esta espécie, cujo estatuto foi aprovado pela Assembleia da República em 1988, esteve à beira da extinção no século XX, recuperou e está de novo ameaçada devido a “populismos partidários” e decisões políticas “sem o conhecimento científico”, e a lóbis económicos que se aproveitam do lobo.
Os investigadores criticam a Ministra portuguesa do Ambiente, que antes era contra, mas que votou a favor da maioria dos outros estados-membros (Espanha e Irlanda votaram contra), para que o lobo passe de “estritamente protegido” para “protegido”. exigiram ainda que sejam publicados os resultados do último senso do lobo, realizado entre 2019/2021.
Ao aprovar-se a redução da proteção desta espécie, abre-se a porta ao seu abate sob condições estabelecidas pelas autoridades nacionais ou ainda pelas quotas determinadas a nível nacional para manter níveis populacionais “satisfatórios”. Mas, poderá também fomentar a caça, a maiores atentados contra esta espécie que, além de atropelamentos, morre muito devido a envenenamentos.
Francisco Álvares, professor da Universidade do Porto que tem desenvolvido o projeto mais antigo de monitorização do lobo, desde meados dos anos noventa, na Região do Alto Minho, com a cooperação dos municípios, abordou a situação atual e os desafios para a conservação da espécie ameaçada. Referiu que em Portugal o lobo “sofre muito”. Além da compressão do seu habitat natural, de lóbis de interesses vários, há empresas turísticas que invadem os seus locais de reprodução. Os lobos reproduzem-se em maio e sendo a dependência das crias até setembro, “existe uma elevada perturbação humana.
O especialista referiu que a taxa de sobrevivência dos lobos é de 55%, anualmente e mostrou através de um vídeo, que muitas pessoas “não se sabem comportar”. Andam por todo o lado, sem respeito pelas espécies e defendeu zonas com acesso restrito assim como um modelo de cogestão dessas zonas, com o envolvimento das populações, municípios e organizações. “Os municípios têm de ter sensibilidade em conviver com a natureza”.
“Há falta de consciencialização pública e de fiscalização”, referiu Francisco Alvares, que integra um projeto apoiado pelo UNESCO, “Life Wild Wolff” (2023 a 2027) que envolve oito países e de que Portugal faz parte, para gestão de lobos em ambiente urbano e restauro do seu habitat. Referiu a existência de uma plataforma sobre o lobo ibérico para “divulgar informação correta e atualizada”. Tem mapas sobre o lobo em Portugal, boas praticas em termos turísticos, aplicações de recolha de avistamentos e ameaças da sociedade.
Dário Hipólito da Universidade de Aveiro que tem trabalhado com 3 alcateias a nível de garantir a monitorização, seu habitat e de sensibilização das populações em conflito com o lobo. Vivem na zona norte do rio Douro, conectada com Espanha, e a sul do Douro, esta com pouca expressividade. Notou o deficiente papel das instituições de conservação do lobo, cujas estratégias não estão a ser cumpridas. Existem queimadas em zonas isoladas habitat do lobo, ações de limpeza em plena época de reprodução, condicionamentos de projetos de conservação, falta de pagamentos, ausência de comunicação e informação. Os prejuízos devem ser avaliados e compensados, disse, defendendo o acompanhamento de proximidade e envolvimento das gerações mais novas.
“É preciso ser persistente com a mensagem, manter contacto com as comunidades e ouvir”, afirmando que “quando as pessoas se sentem abandonadas, é difícil qualquer processo de mudança. O exemplo vem de cima”.
Também Gonçalo Brotas, da associação ACHLI, associação de Conservação do Habitat do Lobo Ibérico, que trabalha com 19 associados, nomeadamente empresas, tem desenvolvido projetos no sentido da recuperação de zonas próprias à sobrevivência destas espécies, à promoção do seu alimento, nomeadamente através da introdução de corças. Um dos aspetos mais importantes que focou foram as medidas compensatórias, a informação e o diálogo junto das pessoas que vivem nas zonas limítrofes, que em geral manifestam animosidade em relação ao lobo, por estes lhes atacarem os gados à procura de alimento.
O especialista observou o pouco esclarecimento sobre os apoios à angariação de cães de guarda e de ajudas financeiras às populações cujos gados são atingidos pelos lobos. Considerou que há câmaras recetivas ao seu envolvimento e que as pessoas, inicialmente reservadas, muitas vezes são elas a pedirem mais diálogo sobre o problema.
Entre outros investigadores estrangeiros, Miguel Clavero da Estacion Bilológica de Donãna e Jesús Vasquez da ADLO Pirineo, associação de defesa do lobo e do urso, abordaram, respetivamente, a situação dos lobos no norte de Espanha e na zona francesa e italiana dos Pirinéus, cujos problemas são idênticos e em escalas diferentes, embora, em alguns casos haja uma maior consciencialização. Há também o registo de vários atentados mortais à espécie.
O principal objetivo da redução da proteção do lobo é que as Partes na Convenção de Berna, incluindo a UE e os seus Estados-Membros, tenham uma maior possibilidade jurídica de implementar estratégias de gestão letais nas populações de lobos.
O lobo tornar-se-ia assim uma espécie que poderia ser abatida sob condições estabelecidas pelas autoridades para manter níveis populacionais “satisfatórios”.
Por toda a Europa, multiplicam-se assim apelos d ao Secretariado-Geral da Convenção de Berna, ao Secretariado-Geral do Conselho da Europa, à Provedora de Justiça da UE e
aos países que constituem as Partes Contratantes, apedindo a rejeição dos argumentos apresentados pela EU.
Uma das proponentes da UE de enfraquecer a proteção dos lobos é a Presidente da Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen. O seu pónei de 30 anos, Dolly, foi morto por um lobo perto de Hannover, na Alemanha, em setembro de 2022. O culpado foi identificado através de testes de ADN e foi-lhe concedida uma licença de abate.
A Comissão Europeia apresentou a proposta em dezembro de 2023. A ser agora ratificada deixa esta espécie “estritamente protegida” para apenas “protegida” na Convenção de Berna sobre a Protecção da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais na Europa, um acordo que inclui outros países além da União Europeia.