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Os Beatles em Angola e em outras ex-colónias portuguesas

Este é um documento verdadeiramente histórico: os Beatles tomam banho!

Em junho de 1964 passarão 59 anos sobre o concerto dos Beatles em Hong Kong, cerca de um ano antes de em agosto de 1965 inaugurarem a era dos concertos de estádio, no Shea Stadium em Nova Iorque.

Os Beatles em Angola e em outras ex-colónias portuguesas

Esta atuação ficou marcada na minha memória, pois tive dela conhecimento no navio Príncipe Perfeito, em pleno alto mar, a caminho de Luanda, onde o meu pai iria organizar o Centro de Documentação da Universidade de Luanda. Desde essa altura fiquei marcado pela sua música, tornando-me, inclusive, modesto colecionador.

Foi esta a justificação que encontrei para ir revistar um pequeno levantamento que preparei para o livro “Beto Kalulu/ Beto dos Windies: da cena musical em Luanda à consagração no Algarve”.

Bem, na verdade há outro e bem forte fundamento: descobri, já há alguns anos, que em Luanda é transmitido um programa designado por Submarino Angolano (anteriormente Submarino Amarelo), da responsabilidade de Paulo Seixas, que conheci através do “Beatles´expert” Luis Pinheiro de Almeida.

É pela “voz do próprio” que ficaremos a conhecer um pouco mais dessa aventura musical.

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Os Beatles em Angola e em outras ex-colónias portuguesas

O Submarino Angolano é um programa de rádio de uma hora semanal ao sábado e que existe desde 2001, há 22 anos, portanto, na rádio angolana LAC – 95.5 FM (Luanda Antena Comercial).
Semanalmente mergulhamos na música dos anos 60 com enfoque na história da carreira dos Beatles. O imediato Paulo Seixas realiza, produz e apresenta cada episódio em conjunto com a sua tripulação, o mecânico de bordo Anacleto José, o prático Markus de Matos e a partir do Rio de Janeiro o contramestre Homerix faz-nos o radar de aspectos particulares das músicas dos FAB 4. Desta tripulação faz ainda parte de forma honorária o nosso capitão Pinheiro de Almeida.
Foi logo em meados dos anos 60 que Angola viu editar a única versão oficial de um conjunto angolano, quando em 1964, o Duo Ouro Negro fez a música “Agora Vou Ser Feliz” a versão para “I Want To Hold Your Hand” lançada na Inglaterra no final de 1963 pelos Beatles.
Devido à proximidade geográfica da África do Sul, a juventude angolana dos anos 60 beneficiava de um rápido acesso às músicas de origem anglo-saxónica, pelo que não é de estranhar que o Submarino Angolano tenha bastante sucesso entre as actuais gerações mais velhas do público angolano.
Há, no entanto, muita curiosidade pela parte da actual juventude que, de maneira espontânea, reúne um fiel grupo de ouvintes para assistir às edições ao vivo nos estúdios da rádio luandense.
Mas o Submarino Angolano extravasa as fronteiras angolanas e é ouvido em gravação pelo mundo inteiro pelos Podcasts nas plataformas no Spotify e no Mixcloud.
https://podcasters.spotify.com/pod/show/submarino-angolano/
https://www.mixcloud.com/tokeluanda/

Sem dúvida que os Beatles influenciaram muitos dos conjuntos luandeses e mesmo angolanos dos anos 60 e 70. Todavia, as apreciações da imprensa eram claramente negativas e mesmo, com frequência, ofensivas. Viviam-se tempos em que tudo o que afrontasse os costumes estabelecidos arriscava a ser considerado perigoso e mesmo subversivo.

Talvez a primeira referência mais completa à beatlemania terá surgido em Angola na revista Notícia de Abril de 1964, onde se refere que por todo o mundo os rapazes já não se limitam a enlouquecer durante os concertos, agora também se vestem como eles e usam perucas que imitam o seu ar achavascado. E continua o artigo, em legenda que acompanha uma foto onde os músicos se divertem numa piscina, em artigo com o título “Tudo Tarado… com os Beatles (mesmo em Luanda)”:

Este é um documento verdadeiramente histórico: os Beatles tomam banho! Semelhante acto parece de acordo com o aspecto autenticamente sebento que eles têm exibido por vário continentes com sumo gáudio e júbilo rotundo das juventudes e para-juventudes de diversos pontos (…) Agora a beatlemania está assolando Luanda sob um duplo aspecto: os guedelhudos cá do sítio vêem sancionando em alto nível a sua usança; e os radiómanos deliram com os discos das criancinhas… No seu programa Café da Noite, transmitido na Católica, Sebastião Coelho serviu Beatles em doses cautelosas… e arranjou um sarilho! Meninos e meninas que mal sabem escrever (por causa da idade, concretiza) mandam bilhetinhos suplicantes: querem mais… Pois que lhes faça um reverendíssimo proveito.

Mais curioso e também representativo do desprezo com que os Beatles eram encarados pelo jornalismo angolano é a capa da Notícia de Outubro de 1964 onde o nome da banda aparece referenciado como Bitles. É certo que essa era a forma como no Brasil e no México se designavam os músicos, mas pensamos que de uma forma carinhosa e não ofensiva. Repare-se que The Brazilian Bitles (também havia os Brasilian Mokes -The Monkees) era uma das mais importantes bandas de Rock da década de 60, misturando rock com o cancioneiro romântico brasileiro. Em 1967 gravaram o seu disco de estreia, “É Onda”, pelo selo Polydor, com grande sucesso. O título do álbum significava “modernismo”, traduzindo todo o alucinante estilo de vida jovem dos anos 60. Também no sentido de humor reproduziam as características da betalemania, lembremos que George Martin foi conquistado pelas constantes piadas dos Beatles. No México eram Los Bitles que encarnavam a beatlemania, tendo em 2012 sido retomada com o filme Esperando a los Bitles de Diego Graue e Ray Marmolejo.

Outra curiosidade, embora fugindo ao âmbito geográfico do tema: em 1990 surgiram na Costa de Caparica os De Biltres… banda que se caracterizava como sendo a “a simbiose improvável entre a dolência do Fado e a contundência do Rock and Roll”.

Também em Moçambique se utilizou o termo Bitles, mas de novo a responsabilidade coube à revista Notícia, agora na sua edição laurentina.

É evidente que a influência dos Beatles também se manifestou nas outras colónias portuguesas, merendo realce o grupo Voz de Cabo Verde, a quem chamavam de Beatles Cabo-Verdianos, valendo a pena a leitura da obra recentemente publicada “Voz de Cabo-Verde – A História de um Povo?”, da autoria de David Santos da Fresco. Em Angola não conhecemos nenhuma banda que tenha recebido designação semelhante, salvo o caso do Quinteto Carapinha, banda fictícia criada por Vasco Luis Curado no seu livro o “País Fantasma”, que eram conhecidos como os Beatles africanos…

Em devido tempo valerá a pena aprofundar o que se passou em Goa, onde Remo Fernandez e os seus Beat 4, bem reflectiam na sua música a mistura entre a ainda presente cultura portuguesa e a beatlemania, designadamente quando da visita dos músicos à Índia para aprofundar a Meditação Transcendental, na década de 60.

Especial terá sido o caso de Macau, onde logo desde princípios dos anos 60 diversas bandas se reclamaram representantes da beatlemania, merecendo realce os Thunders – uma espécie de resposta de Macau aos Beatles – que surgiram em 1966 e eram provenientes dos Colourful Diamonds, tendo chegaram a gravar diversos discos em Hong Kong.

Mas quanto aos Beatles, algo inesperado terá acontecido durante a sua passagem por Hong Kong em Junho de 1964, e que mais tarde o DJ Ray Cordeiro, natural de Macau, que por diversas vezes entrevistou os músicos, me confirmou.

Pelo menos alguém que conheci nas Filipinas, que pediu anonimato porque ainda não desistiu de encontrar provas dessa espantosa história, está convencido que alguns dos Beatles terão também passado e mesmo composto um tema em Macau!

Sabes que eu tinha a fesada dos Beatles, sempre gostei de coleccionar vinis e bugigangas! Um dia, no meio de papéis coloridos, brinquedos antigos, jarras azuis e amarelas e muitos outros encantamentos amontoados num Tim Tim (antiquários de Macau), descobri uma caixa preta onde escrito à mão ainda conseguia ler “The Beatles in Macao: visit to the Hotel Estoril and Macau Floating Casino – 10 Juin 1964 – song with no interest”. No interior da caixa, perfeitamente protegidas, estavam duas bobines de filme em Super 8, onde em contraluz descobri caras conhecidas em penumbra vermelha escura que envolvia mesas de um jogo de botões muito famoso em Macau nos anos 60, o fan-tan. E uma dessas figuras dedilhava uma guitarra…

Perguntei o preço mas as 5000 patacas e a falta de tempo fizeram-me desistir, pois nunca tinha ouvido falar em qualquer passagem dos Beatles por Macau. Em 9 e 10 de Junho de 1964 fizeram dois espectáculos em Hong Kong e logo no dia 12 estavam a tocar na Austrália, claro que não acreditei que tal visita fosse minimamente possível!

Mas a curiosidade levou-me a investigar e rapidamente entendi que não seria assim tão impossível. Resumidamente vos digo que o espectáculo de dia 10 nunca existiu – embora os bilhetes mostrem essa data – pois foram duas actuações no dia 9 no Princess Theatre, e portanto tempo não faltou para dar um salto a Macau…

E continuou a explanar os seus argumentos, que não irei agora desvendar, mas que afirmamos terem lógica e sentido!

Entretanto, há alguns anos, recebi uma estranha carta (sim, em suporte papel!) proveniente das Filipinas, onde esse meu amigo, depois de resumir as suas mais recentes pesquisas, termina exclamando: Tenho novidades! Em breve darei mais notícias!

Desde então nada mais soube dele.

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Joaquim Correia
Joaquim Correia
“É com prazer que passo a colaborar no jornal Regiões, até porque percebo que o conceito de “regiões” tem aqui um sentido abrangente e não meramente nacional, incluÍndo o resto do mundo. Será nessa perspectiva que tentarei contar algumas histórias.” Estudou em Portugal e Angola, onde também prestou Serviço Militar. Viveu 11 anos em Macau, ponto de partida para conhecer o Oriente. Licenciatura em Direito, tendo praticado advocacia Pós-Graduação em Ciências Documentais, tendo lecionado na Universidade de Macau. É autor de diversos trabalhos ligados à investigação, particularmente no campo musical

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