Quem viveu na Ásia conhece, nem que seja apenas por ouvir falar, a expressão “perda de face”, muito comum entre os chineses.
Na China, “perda de face”, grosso modo e sem grandes definições, nem explicações filosóficas, ou de qualquer outra índole, significa “dar o dito pelo não dito”. Engloba diversas situações, até políticas, desde o não cumprimento de um acordo ou trato, rompimento da palavra dada, muitas vezes selada apenas num apertar de mãos, ou voltar atrás na decisão tomada.
Ora, o Império do Meio não gosta “nem sequer de dar o braço a torcer”, quanto mais “perder a face”!
Todo este intróito para abordar o tema Covid-19, com epicentro na China, de má memória para todo o mundo.
Neste imenso país e durante praticamente três anos imperou a linha dura sanitária. No primeiro ano, porque ainda não havia vacinas e não se conheciam os efeitos e as sequelas da doença. Nos anos subsequentes, porque dizia “à boca cheia” que sabia, mais do que ninguém, como lidar com a doença. Mais, falava do que se passava com o Ocidente, comparando os milhões de mortes ali registadas com apenas um escasso número de vítimas mortais no país, tendo em conta o seu “mar” de habitantes. Defendia com “unhas e dentes” o seu método de combate ao Covid. Em suma, quando o mundo se abria, a China fechava-se. Até que tudo se transfigurou…
Como num passe de mágica, do dia para a noite, passou de “8 para 80”, fazendo “tábua rasa” da política oficial traçada para o Covid-19, julgando que dar uma “lição ideológica” ao planeta era a panaceia para a “arrumar” com o terrível vírus.
À doutrina de “trancas à porta” passou a vigorar a de “portas escancaradas”: acabaram-se as quarentenas, testes em massa, códigos de saúde e a interdição de entrada de estrangeiros, salvando-se o apelo à vacinação, que embora obrigatória no Continente, entre a terceira idade, vai ainda um hiato. A sobrar apenas ficou, se calhar para memória futura, o uso da máscara, a qual, um dia destes, provavelmente também terá os dias contados.
Nem mesmo as razões avançadas para explicar a mudança de 360 graus, colam: “temos um índice de vacinação muito elevado, na ordem dos 90 e tal por cento, e as novas variantes não são tão letais”.
Claro que se salvaram vidas sem conta, mas à custa de muitas outras mergulhadas em sofrimento e sacrifícios.
Até “à grande reviravolta”!
Que me lembre foi a primeira vez, de forma quase inédita e impensável, que assisti a uma “perda de face”, de tamanha dimensão, segundo os cânones chineses.
Miguel Brandão (no.508)