A Ética e o escrutínio dos cidadãos evidenciam o plágio entre os pingos da chuva
A propósito do plágio que levou à suspensão da atividade editorial de um jornalista, – o mínimo que o seu jornal poderia fazer perante as evidências- surpreende-me ter verificado alguma dissimulação e corporativismo sobre o assunto, através de expressões como “é um caso isolado do jornalismo português” ou ainda a consideração de que o problema era do foro interno do jornal!

Ora não só a ética se discute, como essa discussão é cada vez mais importante, sobretudo quando são vários os casos de plágio que ao longo dos anos se vêm sucedendo, alguns dos quais sem repercussão, porque antes da era da internet. Por outro lado, é também intrigante a omissão ou o reconhecimento mitigado a nível institucional, tendo subjacente um certo protecionismo de classe, postura incoerente, por quanto, a propósito de outros plágios de diferentes profissões, os jornalistas são prontos a denunciá-los: veja-se o caso do antigo ministro do Ambiente, Carlos Borrego ou de Carlos Bernardes, autarca de Torres Vedras.
Mário Mesquita, jornalista e professor (2020), que nos deixou este ano, distingue questões éticas de princípios deontológicos, porque a “ética não se codifica”, ao contrário da deontologia ou do direito. A ética, observa Mesquita, “é mais problemática, filosófica, questionadora”.
Ora, tanto o código dos Jornalistas portugueses, como a recente Carta Global de Ética, da FIJ, são muito claros ao referirem que os jornalistas devem combater o plágio (seus pontos 2 e 10 respetivamente), considerando-os graves faltas profissionais. Pode verificar-se que existem deliberações do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas sobre queixas de plágio, um crime que é punível. Sobre elas, com ou sem razão, foram elaboradas recomendações pedagógicas de reprovação. Numa delas, o CD, perante a ausência de resposta do jornalista visado, até entende que “não responder é ficar sob suspeita de práticas graves”.
Ver também a propósito uma nota de 2009 de Joaquim Vieira, então provedor do leitor, em que perante a verificação de plágio e a sua indignação, dizia: “estava convencido de que a não apropriação do trabalho intelectual alheio, mais conhecida como recusa do plágio, permanecia como ideal transmitido de geração para geração”. Podemos então pensar que, ou não se ensina as gerações futuras sobre esta “falta grave”, ou essas faltas têm, como diz o povo, passado pelos pingos da chuva, ou seja de forma discreta e não transparente.
Na verdade, o que se verifica é uma ausência de responsabilidade dos jornalistas que o fazem, descredibilizando-se a si próprios e manchando a maioria daqueles jornalistas que exercem a sua profissão de acordo com os princípios essenciais de uma ética, cada vez mais global: a independência, o rigor, a isenção, o sigilo, a verdade, a certificação dos factos ou fact checking, a transparência, a responsabilidade e o respeito pelo contraditório, continuam sendo os valores que, na generalidade, os jornalistas portugueses consideram importantes, conforme os resultados de um inquérito, feito pela autora em sede de tese doutoramento(2020).
Agir de forma ética e responsável implica refletir sobre os efeitos possíveis de uma decisão e ser capaz de identificar os riscos e potenciais consequências por si próprio e pelos outros, das diferentes opções que se lhe oferecem. O caráter de valor e responsabilidade, como nos ensinou Emanuel Levinas é a “estrutura essencial”, primeira, fundamental da subjetividade que torna o “eu” individual, “mais responsável do que o outro e perante os outros” (1982). Stephen J. A. Ward, um dos investigadores em ética, na atualidade, chama a atenção para os efeitos da revolução dos media, em curso, e para as profundas alterações na comunicação da humanidade, na ética do discurso e na postura ética das pessoas no mundo. Num artigo da revista Média e Jornalismo o autor considera que a ética jornalística hoje, dependendo de contextos, culturas e conjunturas, não é um conjunto de regras apenas (2018). É, sim, “um problema” que tem de se resolver numa perspetiva de compreender e ajudar a encontrar soluções. Por isso, preconiza um conjunto de normas para orientar o jornalista, seja qual for a sua origem ou cultura, construídas a partir de condutas universais, próprias a todo e qualquer cidadão, estabelecidas à priori, socialmente determinadas e aceites. Ward desenvolve um conceito de “media integrado”, válido para jornalistas e não jornalistas, e tendo como trave-mestra o listening, ou escuta, que exige reflexão .no sentido em que, tudo o que é bom para o ser humano, é crucial para tudo o que fazemos.
Por isso, este plágio ou quaisquer outras infrações jornalísticas, devem ser discutidas e não mitigadas, menos ainda silenciadas, a bem do jornalismo credível e transparente. Caminha-se tendencialmente, para um conjunto padrão de princípios, cada vez mais exigíveis a todos os jornalistas, em qualquer parte do mundo e sob o escrutínio de qualquer cidadão.