Entre quatro a seis horas, é o tempo médio de espera no serviço de urgência do Centro Hospitalar Universitário de Santo António (CHUdSA). Há dias em que são mais horas. Há pacientes que desistem e ficam sem tratamento.
Porque os jornalistas também precisam recorrer aos hospitais, podem ver como está o Serviço Nacional de Saúde. E sempre optando pelo SNS, é com uma enorme tristeza que digo que anda mal, está doente. Não são os médicos, nem os enfermeiros, nem os auxiliares. Estes dão o melhor que conseguem. É mesmo o SNS. Não sei o diagnóstico porque não sou médica. Mas sou jornalista e os meus olhos relatam aqui quatro horas na urgência do Hospital de Santo António, no Porto.
Rosa Maria, 83 anos, com notória falta de ar, tosse compulsiva e muito debilitada, ganhou uma pulseira amarela na triagem da urgência do Hospital de Santo António. A unidade segue ainda o sistema de Manchester com a atribuição de uma cor. O amarelo está no meio e é doente urgente. Antes estão os muito urgentes (laranja ) e emergência (vermelho). Depois do amarelo, há os doentes pouco urgentes (verde) e os não urgentes (azul) e que podem esperar muitas, muitas horas. Na verdade estes últimos poderiam e deveriam optar por um centro de saúde. Mas estão num hospital público que não os pode recusar.
Voltando à D. Rosa, que deu entrada na urgência do CHUdSA, pelas 20h00, que ganhou uma pulseira amarela e uma cadeira de rodas devido à debilidade física, que entrou para um corredor cheio de pacientes em macas. Toda a área de camas já estava completamente ocupada.
Perante o cenário de gente espalhada pelos corredores, a D. Rosa sentiu-se logo pior. Ficou na sua cadeira de rodas ao lado da maca onde a D. Laura padecia e cujo saco de soro estava cheio porque não corria. A D. Laura bem tentava dizer que “não pingava” mas demorou a ser ouvida.
Naquela urgência estavam demasiados idosos acamados, alguns já em tratamento, outros ainda à espera. Demasiados idosos.
Curiosamente não se ouve um gemido. Os pacientes parecem todos anestesiados e conformados.
Os doentes em estado de emergência passam rápido e obviamente são logo atendidos.
Os médicos, enfermeiros e auxiliares não param. Os corredores já são demasiado estreitos para o movimento de macas. “Deixa-me passar que este é mais grave”, pede uma auxiliar à colega que vem com outra maca em sentido contrário. Uma enfermeira ouve finalmente a D. Laura e desentope o saco de soro.
Outra enfermeira retira sangue para análise a um idoso ali mesmo na cadeira. Na zona do Raio X é um entra e sai de pacientes.
As horas passam e a D. Rosa continua a tossir e a arfar. É pequenina e magra. Passaram entretanto duas horas e ainda não foi atendida. As auxiliares começam a servir chá e bolachas.
Uma estrangeira comenta com a amiga que já passaram doze horas desde que entrou no hospital mas parece que está quase a ter alta. Sofreu uma subida súbita da tensão arterial e passou mal.
A D. Ester, que acordou sem conseguir mexer as pernas, também já conta com doze horas na urgência em observação, mas ainda não tem diagnóstico.
Curiosamente não se ouvem reclamações pela longa espera. Os doentes e familiares têm um comportamento passivo e compreensivo com todo o corpo clínico e pessoal hospitalar.
“Eles, coitados, não param, estão todos a trabalhar desde que cheguei”, comenta uma acompanhante de doente. “Somos bem tratados mas tudo demora tanto tempo”, diz a paciente.
O corpo clínico, enfermeiros e auxiliares das urgências, durante estas horas, são poucos para a afluência. Nos rostos revelam cansaço e impotência para fazer mais pelos doentes.
Volta e meia, os enfermeiros andam pelos corredores a chamar pacientes e ninguém responde. Alguém diz: “mais um que desistiu e foi-se embora”.
Entretanto a D. Rosa adormeceu na cadeira de rodas. Passaram três horas desde que foi tríada mas ainda não observada por um médico. A pulseira amarela de urgente não vale de muito. Urgente não é emergente.
Um ataque de tosse acorda a D. Rosa. Diz para a filha: ainda vou morrer aqui à espera. Se é para morrer aqui, antes quero morrer em casa”, dramatiza a idosa nos seus 83 anos. Não reclama mas quatro horas depois já não tem posição na cadeira de rodas e pede à filha para ir embora. “Já não aguento mais, venho amanhã outra vez. Pode ser que esteja menos gente”. A filha acaba por ceder e vão embora. “Isto está mesmo mau nos hospitais. Nunca esperei tanto tempo para não ser sequer vista por um médico”, diz outro paciente que também desistiu, conformado e desanimado.
Este é apenas mais um pequeno episódio sobre o estado da saúde em Portugal. Até eu, que costumo reclamar o mau serviço público ou privado, não o consegui fazer. Senti uma tristeza tão profunda que me calou, tal como calou os outros pacientes e acompanhantes que ali vi, tristes, conformados e desistentes.
E, em vésperas do 25 de Abril, só me apetece gritar: portugueses, acordem, não se conformem, não desistam. O Serviço Nacional de Saúde foi uma das melhor conquista de Abril. Não o deixem morrer!