Apesar de passar no crivo do Parlamento, foram várias as críticas dirigidas ao Governo por apresentar um programa que descreveram como “uma declaração de guerra” e o reduziram a um “texto tímido” e “vago”. O Parlamento chumbou, esta quarta-feira, a moção de rejeição do PCP ao programa de Governo, com os esperados votos contra do PS e do Chega, apesar de várias críticas dirigidas ao documento apresentado pelo Executivo. No encerramento do debate do programa do Governo, Paulo Rangel colocou a AD como a “aliança ao centro”, disponível para dialogar com todos os partidos. Já José Luís Carneiro avisou que o PS não será “assessor” do Executivo, enquanto André Ventura prometeu levar “a sério” a liderança da oposição.
Após uma maratona de 10 horas de debate, o Programa do Governo foi aprovado e Luís Montenegro reconheceu, no final, que o seu Executivo está agora “legitimado” para executar as medidas para os próximos quatro anos. A palavra de ordem é estabilidade. Para isso, conta com a “colaboração” dos partidos no Parlamento.
Essa foi a principal tónica das intervenções da AD. Com a garantia da aprovação do programa do Governo e o chumbo da moção de rejeição dos comunistas, face ao anunciado voto contra do PS e Chega, o Executivo desdobrou-se em avisos à navegação de olhos no futuro. Durante os dois dias de debate, o Governo colocou o ónus da responsabilidade política nos dois maiores partidos da oposição, PS e Chega, com quem promete dialogar, esperando também “abertura” e “cooperação” do outro lado.
Apesar de passar no crivo do Parlamento, foram várias as críticas dirigidas ao Governo por apresentar um programa que, segundo os vários partidos, não apresenta soluções para os problemas do país.
André Ventura, líder do Chega, desafia o Governo a comprometer-se com duas medidas – uma relacionada com os antigos combatentes e outra com os beneficiários de subsídios “indevidos”.
Declaração de guerra
O PCP descreveu o texto como “uma declaração de guerra a quem trabalha”; a Iniciativa Liberal (IL) reduziu-o a um “texto tímido, vago”. Ecoando as palavras anteriores de Paulo Raimundo, o Livre avisou que “este programa de Governo lembra um passado recente, onde se entendia que o país devia ser um país de salários baixos” e lamentou que o Executivo continue a apostar no “papão da imigração” – tema que marcou o primeiro dia do debate.
José Luís Carneiro, que já falou no Parlamento como secretário-geral do PS, apesar de (ainda) não o ser, disse que chegou ao final do debate “perplexo”, desde logo porque o Governo insiste num cenário macroeconómico “em que mais ninguém, a não ser o Governo, ainda finge acreditar”. O deputado socialista afirma que este programa “antecipa a política que a direita melhor sabe fazer: cortes nas reduções de direitos, desinvestimento no Estado social”.
No encerramento do debate, Paulo Rangel teve em conta as preocupações do PS, prometendo, em nome do Governo, cumprir todas as promessas inscritas no programa, “com boas contas e com contas certas”.
Contudo, Paulo Rangel criticou o “apagão político”, que disse ter sido o PS e o Chega juntarem-se no chumbo da moção de confiança do Governo, que levou à queda do Executivo, e defendeu que cabe aos dois partidos mostrarem nesta legislatura que “estão à altura da responsabilidade”.
“Ninguém compreenderá que a disposição de abertura dos dois maiores partidos da oposição desague ou venha a desaguar num comportamento irresponsável de votos pios ou votos vazios”, advertiu.
Definindo a AD, como a “aliança ao centro”, um movimento político do “meio”, Paulo Rangel insistiu que o Governo está aberto a dialogar com todas as forças políticas, como demonstrou o facto de o Executivo ter integrado propostas de outros partidos no programa do Governo, esperando compromisso em troca. Tal como no primeiro dia de debate, a reforma do Estado teve especial destaque, como uma das apostas deste Governo: “Vamos reformar o Estado, agilizá-lo, em vez de um Estado flácido e gordo, queremos um Estado forte e elegante, atlético”, advogou ainda o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.
Na mesma linha, Hugo Soares sustentou que há uma “diferença colossal” entre a AD e os outros projetos políticos, sendo o programa do Governo um “espelho cristalino” da vontade de estabilidade e do espírito reformista. Pelo meio, deixou outro aviso à oposição, afirmando que quem quiser “bloquear” o Executivo encontrará neste Governo “determinação”: “que não restem dúvidas”. “O Governo vai governar com os portugueses e eles não perdoarão a quem desperdiçar o seu esforço”, dramatizou.
Oposição não será muleta do Governo
Mas voltemos ao que foi dito na Assembleia da República. Do lado da oposição, houve promessas, mas também alertas. Na disputa entre PS e Chega sobre quem será mais oposição, José Luís Carneiro avisou que os socialistas não serão “assessores” do Executivo, ainda que estejam disponíveis para a “convergência”, tendo em conta os interesses do país, enquanto André Ventura garantiu que levará “a sério” a liderança da oposição e não será uma “muleta” do Governo da AD.
“Fiscalizaremos a ação do Governo, com exigência e frontalidade, dialogaremos com transparência e lealdade institucional”, assegurou o candidato a secretário-geral do PS, lamentando, contudo, que o programa do Governo antecipe “cortes nas reduções de direitos” e “desinvestimento” no Estado social. “Não contem com o PS para esse caminho”, atirou.
Já, segundo o líder do Chega, há um “líder da oposição” e há “muletas do Governo” na Assembleia da República, numa alusão ao PS. E colocou, assim, PSD e PS no mesmo saco, dizendo que Luís Montenegro “nunca foi diferente de António Costa”, uma vez que joga com a mesma equipa, a do “sistema”. “Este Governo não é bom, mas há alternativa a esse Governo. O país precisa de construção e de capacidade de dizer não, sendo oposição”, completou Ventura.
Pela IL, Mariana Leitão defendeu também que o programa do Governo recupera “fórmulas do passado” e peca por falta de “ambição”. A líder da bancada dos liberais considerou ainda que só a IL será uma oposição clara ao Governo, porque defende mais ambição e reformas estruturais, incluindo “cortes” no Estado, sem “hesitação”.
Em sentido contrário, a bloquista Mariana Mortágua criticou a reforma do Estado anunciada pelo Governo, entendendo que existe uma “confusão entre reformar o Estado e enfraquecê-lo.” Paulo Raimundo voltou, por sua vez, a afirmar que as medidas do Governo “cheiram a troika”, criticando ainda Chega, IL e PS, um “trio” no Parlamento que irá suportar o Executivo.
Pelo Livre, Isabel Mendes considerou, por sua vez, que o Programa do Governo não está “à altura” do “tempo histórico” que se vive e assegurou que o partido será “oposição construtiva e muito atenta”. Já a deputada única do PAN, Inês de Sousa Real, apontou o dedo a um programa com medidas que correspondem a “retrocessos” e “cedências à agenda discriminatória” das forças anti-democráticas, enquanto Filipe Sousa, do JPP, lamentou que o Executivo não seja “claro” no que diz respeito a propostas para as regiões autónomas da Madeira e dos Açores.