A maioria dos autarcas investigados pertence ao Partido Socialista, mas há também casos envolvendo autarcas do PSD/CDS-PP e outros partidos
Existem dezenas de autarcas sob investigação por crimes económicos, especialmente relacionados com contratação pública, corrupção, peculato e abuso de poder
Muitos processos ainda estão em fase de inquérito, sem acusação formal, e a lista pode evoluir ao longo do ano eleitoral.
Crimes Mais Comuns dos Autarcas
Os crimes mais comuns imputados a autarcas portugueses, de acordo com investigações do Ministério Público, comunicados da Polícia Judiciária e notícias recentes, são sobretudo crimes económicos e de abuso de funções públicas. Destacam-se:
Corrupção activa e passiva: Envolve o recebimento ou oferta de vantagens indevidas em troca de favores ou decisões favoráveis no exercício das funções autárquicas.
Prevaricação: Decisões tomadas em violação consciente da lei, geralmente para beneficiar terceiros ou interesses próprios, muitas vezes relacionadas com contractos públicos e ajustes directos.
Peculato: Apropriação ou uso indevido de bens ou valores pertencentes à autarquia para fins pessoais, como o uso de viaturas ou verbas públicas.
Tráfico de influência: Utilização do cargo para influenciar decisões de terceiros, normalmente em benefício próprio ou de terceiros, violando o princípio da imparcialidade.
Participação económica em negócio: Envolvimento directo ou indirecto em negócios em que a autarquia tem interesse, com o objectivo de obter vantagens pessoais ou para terceiros.
Branqueamento de capitais: Ocultação ou dissimulação da origem ilícita de valores ou bens provenientes de crimes praticados no exercício de funções públicas.
Falsificação de documentos: Alteração ou criação de documentos falsos para legitimar atos ilícitos, muitas vezes relacionados com adjudicações ou prestações de contas.
Estes crimes reflectem sobretudo práticas relacionadas com a contratação pública, favorecimento pessoal ou de empresas, uso indevido de recursos públicos e manipulação de processos administrativos para benefício próprio ou de terceiros.
Operações colectivas
Operação Éter: Envolve autarcas de mais de 40 municípios do Norte, sobretudo do PS, por suspeitas de favorecimento de empresas e viciação de procedimentos de contratação pública. Muitos ainda aguardam acusação formal.
Operação Teia: Foca-se em autarquias como Santo Tirso e Barcelos, com suspeitas de corrupção, tráfico de influência e participação económica em negócio, envolvendo autarcas do PS.
Operação Tutti Frutti: Crimes Principais – Corrupção ativa/passiva: Favorecimento de militantes do PS/PSD via contractos públicos. Prevaricação: Decisões ilegais para benefício próprio ou de terceiros. Tráfico de influência: Uso de cargos para influenciar adjudicações. Branqueamento: Ocultação de fundos obtidos ilegalmente (ex: 580 mil euros a recuperar). Burla qualificada e falsificação de documentos: Manipulação de processos contratuais. Contexto: A operação investiga favorecimentos partidários em juntas de freguesia de Lisboa desde 2016, com 60 acusados (maioria do PSD). O MP pede a devolução de 588 mil euros e a perda de mandatos dos envolvidos.
Quem? Alguns exemplos
Aqui ficam alguns dos alegados suspeitos que estão a ser investigados em operações da Polícia Judiciária ou do Ministério Público. A lista não é exaustiva, mas uma amostra do material já tornado público.
Eduardo Vítor Rodrigues (PS):
Presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia. Arguido na Operação Babel por suspeitas de corrupção, prevaricação e abuso de poder, incluindo alegada contratação irregular de serviços de comunicação para promoção pessoal.
Miguel Albuquerque (PSD):
Presidente do Governo Regional da Madeira. Constituído arguido por oito crimes, incluindo corrupção ativa e passiva, no âmbito de investigações sobre adjudicações públicas e financiamento partidário ilícito.
Pedro Calado (PSD):
Presidente da Câmara do Funchal. Suspeito de corrupção passiva, prevaricação e tráfico de influência, relacionado com alegadas vantagens indevidas em contratos públicos.
Joaquim Couto (PS):
Ex-presidente da Câmara de Santo Tirso. Acusado de corrupção ativa, peculato e prevaricação na Operação Teia, envolvendo favorecimento de empresas de comunicação.
Miguel Costa Gomes (PS):
Ex-presidente da Câmara de Barcelos. Acusado de prevaricação, participação económica em negócio e corrupção passiva, no mesmo processo.
Duarte Cordeiro (PS):
Ex-vice-presidente da Câmara de Lisboa. Investigado no mesmo processo, mas sem constituição como arguido até o momento.
Miguel Arruda (Chega!):
Deputado eleito pelo Chega. Detido por suspeita de furto de bagagens em aeroportos; expulsou-se do partido e mantém-se como deputado independente.
Nuno Pardal Ribeiro (Chega!):
Ex-dirigente do Chega em Lisboa. Acusado de prostituição de menores; renunciou aos cargos no partido e na Assembleia Municipal após denúncia.
Américo Pereira (PS):
Ex-presidente da Câmara de Vinhais. Arguido por corrupção passiva. O julgamento tem sido sucessivamente adiado.
Luís Vitorino (PSD):
Presidente da Câmara de Marvão. Condenado a três anos de prisão com pena suspensa e perda de mandato por corrupção passiva, relacionada com a gestão de fundos do programa ProDer.
Conceição Cabrita (PSD):
Ex-presidente da Câmara de Vila Real de Santo António. Detida e indiciada por corrupção passiva e prevaricação no âmbito da Operação Triângulo, relacionada com a venda de terrenos municipais.
Salvador Malheiro (PSD):
Ex-presidente da Câmara de Ovar. Alvo de inquérito do Ministério Público por alegada corrupção, após denúncia de que teria recebido dinheiro em troca de adjudicações de obras.
Fernando Paulo Ferreira (PS):
Presidente da Câmara de Vila Franca de Xira. A Divisão de Gestão Urbanística da autarquia está sob investigação por suspeitas de corrupção, embora nenhum responsável tenha sido constituído arguido até o momento.
Orlando Alves (PS):
Associação criminosa, abuso de poder, recebimento indevido de vantagem, corrupção ativa e passiva, prevaricação, participação económica em negócio, branqueamento, fraude na obtenção de subsídio. Envolvido na “Operação Alquimia” (Montalegre).
David Teixeira (PS):
Envolvido na “Operação Alquimia” com suspeitas de favorecimento em contratos públicos (Montalegre).
Miguel Alves (PS):
Prevaricação, violação das normas de contratação pública enquanto presidente da Câmara de Caminha (“Operação Éter”).
Joaquim Couto (PS):
Corrupção, tráfico de influência, participação económica em negócio, viciação de procedimentos de contratação pública (“Operação Teia”, Santo Tirso).
Miguel Costa Gomes (PS):
Corrupção, tráfico de influência, participação económica em negócio, vários processos por ajustes diretos à margem da lei (Barcelos, “Operação Teia” e outros).
Luísa Salgueiro (PS):
Investigada na “Operação Teia” por alegada contratação por influência pessoal (Matosinhos).
Estela Veloso (PSD/CDS-PP):
Peculato: uso alegadamente indevido de viatura da autarquia para fins pessoais (União de Freguesias de Famalicão e Calendário).
Fernando Sousa, IND:
Peculato: apropriação alegada de 190 mil euros das contas da autarquia para fins pessoais (Foz do Arelho).
Sérgio Azevedo (PSD):
51 crimes – corrupção activa (9, incluindo 2 agravados), prevaricação (13), corrupção passiva (5, 1 agravado), tráfico de influência (4), branqueamento (3), falsificação de documento (2), burla qualificada (1).
Carlos Eduardo Reis (PSD):
22 crimes – corrupção activa (6, 1 agravado), prevaricação (6), tráfico de influência (5), branqueamento (4), abuso de poder (1).
Luís Newton (PSD):
10 crimes – prevaricação, corrupção passiva.
Ângelo Pereira (PSD):
Crimes de corrupção, tráfico de influência e prevaricação (número específico não detalhado).
Margarida Saavedra (PSD):
Envolvida em favorecimentos através de contractos públicos (acusação formal sem detalhes quantitativos).
Nuno Firmo (PSD):
Branqueamento (2.000 euros apreendidos).
Pedro Rodrigues (PSD/JSD):
Branqueamento (1.640 euros apreendidos).
Paulo Quadrado (PSD):
Branqueamento (6.680 euros apreendidos).
A corrupção nas autarquias portuguesas tem sido um desafio persistente desde a consolidação do poder local pós-25 de Abril, com casos emblemáticos a surgirem em ciclos sucessivos, desde os anos 1980 até à actualidade. As investigações mais recentes, como as Operações Alquimia, Teia e a mega-operação de Abril de 2025 contra fraudes em contratos públicos, mostram uma Polícia Judiciária e um Ministério Público mais especializados, recorrendo a meios tecnológicos e colaboração internacional para desmontar redes de corrupção que envolvem autarcas de múltiplos partidos. Apesar do reforço de inspetores e da criação do Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), a dimensão do fenómeno mantém-se – em 2023, quase metade das denúncias de corrupção recebidas pelo MENAC envolviam autarquias, reflectindo tanto o aumento da vigilância como a permeabilidade do sistema.
Actualmente, Portugal conta com 308 Câmaras Municipais e 3.091 Juntas de Freguesia, segundo dados oficiais actualizados em 2025, num território onde a proximidade entre eleitos e eleitores, outrora vista como virtude democrática, se transformou em terreno fértil para compadrio e favorecimentos ilegais. A reforma administrativa em curso, com a desagregação de centenas de freguesias unidas em 2013, tenta combater o caciquismo, mas a eficácia desta medida dependerá da capacidade de fiscalização – reforçada com 50 novos inspectores até 2027 – e da transparência nos processos de contratação pública.