Depois de tanta polémica com uma petição com mais de 400 mil subscritores e recados do Presidente da República à mistura, o grupo parlamentar do PS decidiu eliminar o agravamento do Imposto Único de Circulação (IUC) previsto na proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2024 (OE2024). Na proposta, os socialistas justificam esta decisão “por uma questão de justiça social e protecção dos cidadãos com maior vulnerabilidade económica”.
O líder parlamentar do PS justificou esta quarta-feira a decisão do PS de eliminar o aumento do Imposto Único de Circulação (IUC) para viaturas anteriores a 2007, que constava da proposta do Orçamento do Estado (OE) para 2024.
“Esta medida, neste contexto de eleições, não fazia sentido”, afirmou Eurico Brilhante Dias, em conferência de imprensa.
Os deputados do PS consideraram que deviam “ir mais longe no aprofundamento da justiça social e, por isso, o grupo parlamentar, dentro da sua autonomia, considerou que deveria eliminar e suprimir essa medida”, acrescentou. Mas, referiu, “o Governo entendeu desde o princípio que a medida precisava de um corretor social e que esse corretor social era garantido por um travão de 25 euros por ano”.
Brilhante Dias sublinhou ainda que a intenção dos deputados teve início muito antes da crise política, uma vez que o efeito da medida seria sentido por vários anos. E deixou recados à oposição: “Percebo a crítica fácil, mas pouco criativa” de eleitoralismo feita pelos partidos da oposição.
O “caráter plurianual” da medida, ou seja, não apenas para um ano, mas para vários, tendo em conta o atual quadro político em que estão marcadas eleições legislativas antecipadas, foi uma das razões elencadas por Eurico Brilhante Dias.
Injustiça social
O socialista referiu que, desde o início, sempre existiu entre a maioria dos deputados da sua bancada uma intenção de alterar a proposta inicial do Governo sobre o IUC, já que tinha causado em muitos cidadãos uma “perceção de injustiça” social.
Além disso, desvalorizou o impacto no saldo orçamental resultante da supressão do aumento do IUC no Orçamento para 2024, bem como a questão de procedimento sobre o facto de outras bancadas apresentarem propostas com semelhante fim à dos socialistas. Neste ponto, alegou que a proposta do PS é mais completa, porque visa a eliminação da subida do IUC e também a sua “atualização”.
De acordo com Eurico Brilhante Dias, a análise do PS à proposta de aumento do IUC “começou muito antes da crise política, logo a seguir à apresentação do Orçamento pelo Governo”.
“É uma medida de longo prazo, que não se limita a 2024. Considerando o travão anual de 25 euros, a medida teria incidências em 2025, 2026 e, em alguns casos, em anos seguintes”, assinalou.
Desta forma, com a demissão de António Costa das funções de primeiro-ministro na semana passada e com a convocação de eleições antecipadas pelo chefe de Estado na passada quinta-feira, o presidente do Grupo Parlamentar do PS advogou que “o contexto se alterou e, em virtude dos impactos futuros, o mais razoável seria não fazer uma medida de mitigação do aumento do IUC, até porque poderia ser insuficiente, mas optar antes pela supressão da proposta apresentada” pelo Governo.
Autonomia dos deputados socialistas
“Esta posição foi maioritária quer na direção do Grupo Parlamentar, quer – acredito – no Grupo Parlamentar pelas reuniões que fui tendo. Até às eleições teremos um debate alargado sobre a fiscalidade verde. Neste contexto, não fazia sentido, apesar de o Governo, desde o princípio, ter entendido que a medida precisava de um corretor social e que esse corretor social era garantido por um travão de 25 euros ao ano”, apontou.
No entanto, vincou, o entendimento da bancada do PS, “na sua autonomia”, foi diferente. “Devíamos ir mais longe. Era uma medida plurianual e, como tal, não fazia sentido dado o contexto de termos eleições e de os partidos irem apresentar programas eleitorais”, reforçou.
A proposta do PS deu entrada cerca das 23:45 desta terça-feira, último dia para a entrega de propostas. Na justificação, o PS defende que se trata de “uma questão de justiça social e proteção dos cidadãos com maior vulnerabilidade económica”.
Na proposta de alteração apresentada pelo grupo parlamentar socialista é ainda referido que “o veículo ligeiro é em muitos casos ainda a principal forma de deslocação para o trabalho ou para deslocação até ao meio de transporte público mais próximo, principalmente fora das principais cidades do país e em zonas de média e baixa densidade, onde a oferta de transportes públicos é reduzida e desadequada às necessidades diárias de mobilidade”.
Sobre as propostas dos outros partidos para o mesmo objetivo, o líder parlamentar do PS considerou que não há grande convergência a fazer: “Os partidos estão alinhados e chegaram lá de forma diferente.”
Reacções da oposição
Em declarações no Parlamento, o PSD acusou esta quarta-feira o PS de ter dado “a maior cambalhota orçamental dos últimos anos” ao recuar no agravamento do IUC, enquanto a IL classificou esta proposta de “eleitoralismo puro e duro”. O PCP considera que a decisão do Governo em recuar na proposta para o IUC não apaga “injustiças fiscais”.
Em declarações aos jornalistas na Assembleia da República, o vice-presidente da bancada do PSD Hugo Carneiro recordou que toda a oposição tinha criticado este aumento como “uma injustiça contra a classe média e classes mais desfavorecidas”, mas o Governo e o PS justificavam-no por razões ambientais.
“Afinal este argumento do PS e do Governo era falso, não há nenhuma preocupação ambiental, existia apenas a preocupação de agravar os impostos dos portugueses. Qual a verdadeira razão do recuo? São as eleições”, apontou, admitindo que esta proposta até pode ir contra a vontade do primeiro-ministro e do ministro das Finanças, “mas já não são eles que comandam a vida interna do PS”.
Poucos minutos depois, o presidente da IL, Rui Rocha, falou também aos jornalistas no parlamento, para classificar a proposta do PS como “absolutamente oportunista e eleitoralista”.
“É pena que tenham esperado por uma campanha eleitoral para esta alteração, é pura hipocrisia, puro oportunismo, eleitoralismo puro e duro”, acusou.
Rui Rocha ironizou que, ao justificar o recuo por questões de justiça social, o PS admite que “a proposta do Governo que subscrevia até há algumas horas era profundamente injusta”.
O PCP saudou o recuo no agravamento do IUC proposto pelo PS, mas considerou que não apaga “as características essenciais” do Orçamento do Estado, que disse não responder aos problemas do país e conter “injustiças fiscais”.
O deputado do PCP Duarte Alves referiu que o seu partido manifestou a sua oposição ao agravamento do IUC “desde o início”, uma vez que, do ponto de vista ambiental, aposta “numa lógica de compra de carros novos” e, em termos sociais, “atacava sobretudo rendimentos mais baixos”.
No entanto, Duarte Alves sustentou que esse recuo no agravamento do IUC “não apaga as características essenciais do Orçamento do Estado”, defendendo que não responde aos problemas na habitação, no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e “prossegue uma linha de injustiça fiscal e de aprofundamento dos benefícios fiscais para as grandes empresas”.