Há uma quantidade de notícias anormal sobre mães (e pais) a praticar filicídio, o acto de matar os próprios filhos. Pode ser que os jornais estejam a dar maior atenção aos casos e que o número de incidências não seja anormal – apenas uma moda da imprensa, por efeito de contágio noticioso, como muitas vezes acontece.
Os números que há são muito antigos. A Judiciária diz que entre 2006 e 2011 registaram-se 55 casos. Este ano, reportados, nem se sabe. A não ser os dois mais mediáticos, onde bebés são deitados ao lixo.
O neonaticídio, matar o filho que acaba de nascer, tem um perfil, segundo um estudo de Catarina Klut Câmara et al: São “mulheres jovens, profissionalmente activas, com problemas financeiros, que coabitavam com os companheiros, experimentando dificuldades de comunicação com a sua rede de apoio primário, cuja gravidez foi indesejada e ocultada, sem cuidados médicos pré-natais, tendo o parto ocorrido em casa, sem assistência”.
Curiosamente, dois estudos, canadiano e norte americano, corroboram uma das conclusões do trabalho português: a doença mental major, i.e., a muito grave e crónica, está ausente na maioria dos casos. O que é bem identificado é um núcleo familiar problemático, com falta de comunicação, onde em quase todos os casos houve contactos anteriores com autoridades estatais e de saúde que foram incompetentes para travar o homicídio das crianças.
Com o cuidado científico normal, os autores avisam sempre que há excepções, mas recomendam insistentemente, lá como cá, que é necessário treinar intensivamente quer as autoridades policiais quer os técnicos de psicologia, sociologia, psiquiatria ou das urgências para detectar os sinais de que está para acontecer uma desgraça.
Aliás, Myrna Dawson, da Universidade de Guelph, em Ontario, diz que o filicídio pode ser um dos crimes com maior sucesso de prevenção, caso todas as autoridades estejam treinadas para detectar os sinais.
Longe de estar estudado com profundidade, o filicídio e seus semelhantes preocupam os académicos e as autoridades, que naturalmente não entendem como pode uma mãe ou um pai, no seu juízo, matar o próprio filho.
O alarme social, dizem, é bom, porque alerta os profissionais que lidam com o problema e os pais que, pensando em cometer crime, podem decidir pedir ajuda antes de atentar contra a vida de um menor.
Como sempre, o dinheiro é importante. Uma verba que se veja para as Comissão de Protecção de Crianças e Jovens e para as polícias que lidam com estes casos – para treinar os profissionais a detectar os sinais de alarme, seria bem-vinda. Mas as CPCJs lutam diariamente para terem quadros de pessoal que possam chegar a todas as solicitações, os tribunais de Menores continuam assoberbados e as polícias quando lá chegam ou já aconteceu ou nada podem fazer, por causa das leis esquizofrénicas e, ainda, de uma cultura machista arreigada, que prometia
sumir-se, mas voltou em força – até entre os jovens.