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Quo Vadis, Abrantes?

Em fevereiro de 2019, o então Vereador da Câmara Municipal de Abrantes Manuel Jorge Valamatos (PS) substituiu a então Presidente Maria do Céu Antunes [Albuquerque], por razão da sua nomeação para Secretária de Estado do Desenvolvimento Regional. Valamatos não era o “número 2” na Câmara, ou seja, não era o Vice-Presidente, mas era o nome imediatamente a seguir à Presidente na ordem da lista vencedora das eleições autárquicas de 2017, como determina a Lei n.º 169/99.

A cerimónia de tomada de posse teve lugar no salão nobre dos Paços do Concelho, onde se deslocou o Presidente da Assembleia Municipal para dar posse ao novo Presidente da Câmara. Nas breves palavras que então pronunciou, o edil lembrou uma viagem que fez ao estrangeiro, durante a qual visitou algumas escolas onde estava afixado um cartaz com o slogan “Forte – Inteligente – Gentil”, sugerindo que todos pensassem nesse “slogan fantástico”.

Na verdade, tratava-se de um antigo e vulgar cartaz, por demais conhecido em diversas línguas. Continha, não três, mas quatro dimensões, tendo o autarca ignorado a palavra “Engraçado” (“Drôle” em francês, “Funny” em inglês). Talvez por subconsciente projeção, o novo Presidente da Câmara acabava de enunciar as três qualidades que gostaria de demonstrar (se possuísse) ao longo do seu mandato, objetivo que falhou redondamente, ao revelar, isso sim, ferocidade em vez de força, esperteza em vez de inteligência, e grosseria em vez de gentileza.

Os abrantinos não perderam pela demora. Em maio desse mesmo ano, o verniz estalava na Reunião de Câmara e o edil mostrava a sua essência (ver aqui ). Essência que manteve até aos dias de hoje, mesmo depois de eleito em setembro de 2021 com maioria absoluta reforçada. Os casos e casinhos do presidente têm sido mais do que muitos, criando desconforto nas hostes socialistas locais. Afinal, o PS sempre se assumiu como o “partido das liberdades, da tolerância e do diálogo”, coisa que manifestamente não é, em Abrantes, há muitos anos…

Em fevereiro de 2019, o Presidente da Câmara Municipal de Abrantes escolheu as dimensões “Forte – Inteligente – Gentil” para nortear o seu mandato. Nunca as cumpriu, como já afirmei. Mas será que, na governação de um município, estas são as três dimensões (ou quatro, como indica o referido cartaz) que mais interessa enunciar? Falei sobre elas em três artigos de opinião que publiquei nessa altura, questionando o seu significado (ver aqui) 

Todavia, julgo ser mais correto e útil enunciar, em alternativa, não qualidades de personalidade ou comportamento individual, mas sim qualidades de liderança – de uma liderança coletiva e orientada para os cidadãos – que guiem uma equipa e marquem um mandato. E elas são, na minha opinião, “Democracia – Competência – Estratégia – Empoderamento”, as qualidades que considero essenciais para quem governa uma autarquia. Lamentavelmente, é tudo aquilo que tem faltado na nossa. Porque, ainda que o autarca fosse “Forte – Inteligente – Gentil” (que não é, e só por ironia “engraçado”), nenhuma destas qualidades garante aquelas quatro que defendo.

Veja-se, por exemplo, o caso do Plano Estratégico 2030, um documento sectário que mais não é do que uma cópia do programa eleitoral do PS. O edil entregou-o aos Vereadores da Oposição em Reunião de Câmara, sem o aprovar ou sequer apresentar. Muito menos o fez na Assembleia Municipal aos deputados. Na altura, afirmou que se tratava de (cito) “um documento interno da maioria autárquica PS, as linhas mestras da ação política da maioria PS” que poderia ser designado por “linhas de orientação ou outra coisa qualquer”.

Em reunião anterior (dez meses depois do início do mandato), havia dito ao Vereador do Movimento ALTERNATIVAcom, em tom de bazófia: “Eu não lhe vou dar hoje o Plano Estratégico, vou deixá-lo curioso, há muito que está feito, há muito, desde o início do mandato. Quando lhe entregar o Plano de Atividades e o Orçamento – que é o que faz sentido – entrego-lhe e dou-lhe a conhecer o Plano Estratégico […] para que o senhor perceba que o documento está feito, não poderíamos ter iniciado o mandato sem termos aqui as nossas linhas de orientação, de acordo com aquilo que propusemos aos abrantinos aquando das eleições autárquicas”.

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Abrantes já leva, com o atual presidente, cinco anos de autocracia, centralismo, sectarismo e fechamento, a que se junta um lamentável deslumbramento pessoal e culto da personalidade (veja-se, por exemplo, o conteúdo do Boletim Municipal, em impudente incumprimento das normas da ERC). Um nebuloso e pantanoso ambiente “democrático” que se reflete, não por acaso, em falhadas políticas e decisões municipais. Até quando manterão os abrantinos este ‘status quo’ autoritário e incompetente? Até onde permitirão os abrantinos que se estique a corda da indecência política? ‘Quo vadis’, Abrantes?

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José Nascimento
José Nascimento
Tem 68 anos e vive na aldeia de Vale de Zebrinho (Abrantes). Reformado do ensino superior, onde lecionou disciplinas de gestão e psicologia social, dedica o seu tempo à atividade cívica e autárquica. É, também, membro do núcleo executivo do CEHLA – Centro de Estudos de História Local de Abrantes (editor da Revista Zahara). Interessa-se pelas dinâmicas políticas e sociais locais e globais, designadamente pelos processos de participação e decisão democráticos.

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