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Revolução, Liberdade, Democracia

Revolução, Liberdade, Democracia.

25 de Abril de 1974.

50 anos 50 fotografias.

Tudo na vida tem o seu tempo. Este não podia mais tardar.

25 de Abril: A Revolução dos Cravos e o Legado da Liberdade
Foto: D.R.

Passados que são já 50 anos sobre a revolução do dia 25 de Abril de 1974, pergunto a mim mesmo, porque não revelei à mais tempo, como agora aconteceu, um património adormecido na gaveta que hoje já não me pertence mais, mas sim a uma história onde as minhas fotografias agora habitam.

Não tenho a pretensão de protagonismo, nem tão pouco com as minhas fotografias, a intenção de por em evidência, qualquer análise técnica, estética, formal ou psicológica do resultado do meu trabalho, exposto em Abril na Galeria Arte periférica e posteriormente numa exposição sobre o mesmo tema, organizada pelo Arquivo Histórico Militar, em Lisboa.

Limitei-me num momento único, em vir para a rua como tantos outros, misturado com o povo e com uma máquina fotográfica analógica, vivenciar em apoteose e espanto o dia memorável que estávamos a também como povo a protagonizar, como aliás se veio a verificar.

Não sou repórter fotográfico, tendo constatado agora, ter sido uma vantagem nas tomadas de vista que tive a oportunidade de registar com a minha câmara fotográfica.

Reconheço, no entanto, terem sido feitas reportagens fotográficas notáveis para jornais e revistas da época, por fotógrafos profissionais, de renome, com quem muito aprendi e tenho o privilégio de ser hoje amigo.

Não vou aqui nomear nenhum em especial, mas sim enaltecer o trabalho que realizaram, segundo a sua sensibilidade e oportunidade, em condições difíceis  de grande responsabilidade editorial.

Deixaram a sua marca indelével para a história, sobre ao que se veio a chamar, a Revolução dos Cravos.

Recentemente, quando da minha exposição sobre o 25 de Abril, na Galeria Arte Periférica, fui abordado por um jornalista do Jornal Público a quem em boa hora concedi uma entrevista sobre o meu trabalho. O resultado foi uma longa e entusiástica conversa.

A ideia era publicar o texto da entrevista com a edição de algumas fotografias assim que existisse essa oportunidade.   Fiquei a partir dessa data, pacientemente a aguardar pela edição da reportagem.

Passaram cerca  seis longos meses após a entrevista, no entanto como já tinha afirmado, tudo na vida tem o seu tempo.

Num domingo de manhã, recebo a seguinte mensagem que dizia: “ Bom dia José Carlos. Espero que se encontre bem. O meu texto sai finalmente no caderno 2 do Público. Obrigado por toda a paciência e até breve. Um forte abraço”.

Assinava a reportagem, Sérgio Gomes, jornalista responsável pela área cultural do jornal Público.

Confesso que fui apanhado de surpresa. Sabia que a entrevista sairia, mas não quando.

Corri para comprar o jornal e lá estava o caderno 2 com toda a matéria que resultou da entrevista.

Já vivi o suficiente para distinguir a autenticidade do que nos é proposto.

Confesso que fiquei incrédulo até comovido com o magnífico texto com que o Sérgio Gomes me presenteou. É sem dúvida a melhor e a mais perfeita moldura em formato de texto, que a minha exposição sobre o glorioso dia da Revolução que nos restituiu a liberdade e com ela a democracia.

Já vai longa a minha introdução sobre a minha exposição constituída por 50 fotografias que numa manhã nublada, nesse dia inesquecível de 25 de Abril de há 50 anos, tive a felicidade de realizar.

Ao reler o artigo do Jornal Público sobre a minha entrevista, apercebi-me como era assertiva e essencial a interpretação feita pelo Sérgio Gomes sobre o conteúdo da exposição.

Sem entrar em pormenores sobre o meu percurso profissional, ou entre outros aspectos da minha vida particular, estava ali a minha inspiração. O curioso é eu próprio ao analisar o meu trabalho, não me ter apercebido dessa possível leitura que de alguma forma acabou por inspirar o presente texto.

Não sou otologista da corrente afirmação de que uma fotografia vale mais que mil palavras. Fica demonstrado ser sempre possível, as mais diversas interpretações, sobre as mais diversas formas de comunicar. Acho até que ambas se podem complementar. Tudo depende do contexto que no meu caso não poderia ser mais feliz.

Passo pois a descrever  da forma mais ligeira possível, o que significou para mim, o dia e a hora plasmada nas fotografias que representam a minha forma de olhar e registar, misturado com o povo de que faço parte, os acontecimentos inolvidáveis no palco imenso que é a rua.

25 de Abril: A Revolução dos Cravos e o Legado da Liberdade
Foto: José Carlos Nascimento

Logo pela manhã, ainda em casa, seriam umas 07:00h, comecei a ouvir na rádio as notícias sobre a eclosão do movimento militar que em Lisboa, tinha como objectivo derrubar o regime ditatorial de até então.  Pelo teor dos comunicados, que aconselhava a população a ficar em casa, bem como a música que transmitiam, ficou claro não ser um golpe da direita militar, que alguns mais esclarecidos sobre a situação política, social e militar, temiam.

Era urgente sair para a rua, embora já atrasado. A revolução já tinha arrancado de madrugada e eu só cheguei pelas 09:00h ao meu local de trabalho na Graça, onde exercia a profissão de fotografo comercial na Cooperativa Praxis.

Corri para o frigorífico onde guardava os rolos de fotografia, enchi os bolsos, peguei em duas objectivas, saquei agora a minha já velha Nikon F, e já na rua, mergulhei na aventura mais fascinante da minha vida.

Misturado com o povo, sobretudo jovens, fui fotografando o que mais mexia com os meus sentidos.

Foto: José Carlos Nascimento

O tempo urgia. Já no bairro das Colónias, tive o meu primeiro contacto com um carro de combate, repleto de jovens entusiasmados que em cima da viatura, gritavam, morte ao fascismo.

O objectivo da coluna militar era tomar o quartel sede da legião Portuguesa, força armada muito perigosa. No local registei algumas imagens, sempre enquadradas com o povo presente junto dos carros militares e também alguns tanques.

Olhei para o relógio e mais uma vez me apercebi que o tempo não para. Estava ainda longe do coração da Revolução. Apressadamente dirigi-me para a Baixa. Martim Moniz, Restauradores, finalmente a Rua do Carmo. Já só se via o povo, do qual me sentia fazer parte, embora  me apercebesse na altura, o único com uma maquina fotográfica que freneticamente nunca deixei de utilizar.

Durante este percurso progressivamente a população ia aumentando, até se transformar numa imensa massa humana que ao cimo  da rua  Carmo antes de entrar na rua Garrett, se acumulava de forma ordeira.

Foi aí irmanado com o povo que ansiosamente aguardava autorização dos militares para avançar que fotografei o meu soldado desconhecido.

Impávido, segurando a sua G3, pousou sobre mim um olhar difícil de descrever, excepto pelo olhar perspicaz do Sérgio Gomes Jornalista do Público.

Era o momento Mona Lisa da Revolução, segundo a sua brilhante interpretação.

Eram já 11:10h da manhã..

Assim marcava o relógio do meu soldado desconhecido.

Finalmente, a tropa deixou passar o povo entusiasmado mas ainda ansioso. Pouco antes um grupo de jovens com uma Bandeira Nacional desfraldada antecipou-se à multidão.

Subir a rua Garrett e chegar ao Largo do Carmo, era o meu objectivo, ou antes, o objectivo de uma multidão imparável e eufórica que comigo corria para o coração da revolução. O quartel do Carmo, onde o primeiro ministro Marcelo Caetano se tinha refugiado.

Em poucos instantes, todo Largo ficou repleto de povo, que se acotovelava para tentar o melhor lugar possível de observação do acontecimento. Em cima das árvores, dos veículos militares, fontanários, postes, gradeamentos, às cavalitas uns dos outros, enfim valia tudo numa desenfreada excitação, sempre juntos dos militares com as suas G3, bem como carros de combate de variados tipo.

Chegara de facto o momento único, onde o povo e os soldados do Movimento das Forças Armadas, (MFA) de mãos dadas, definitivamente se unia, para dar origem a uma revolução.

Já não era mais possível hesitar, o Capitão Salgueiro Maia, símbolo da Revolução, em cima de um carro de combate com o seu megafone, lança um repto definitivo de rendição às forças da GNR, que sitiados no quartel do Carmo,  tentavam desesperadamente ainda uma impossível solução, deixar o passar do tempo.

Entretanto aconteceu o inevitável. Uma rajada de metralhadora sobre o edifício, foi determinante para a rendição e com ela o fim da resistência.

Marcelo Caetano, símbolo de uma ditadura fascista há muito podre que oprimiu Portugal e o seu povo durante 48 anos, vergou-se finalmente perante a realidade, com a entrega do poder ao General Spínola com a anuência do MFA.

 A vitória desabrochou visível como um cravo vermelho, no rosto do povo que em júbilo gritava, VIVA A LIBERDADE, ABAIXO A DITADURA, FASCISMO NUNCA MAIS.

Foi neste ambiente extraordinário de alegria indescritível, que da Graça até ao Largo Carmo, percorri todo esse caminho com o sonho da liberdade reconquistada, registando com a minha velha NikonF, os momentos possíveis e únicos, da nossa história recente.

Foi assim segundo o meu testemunho fotográfico que em 25 de Abril de 1974, eclodiu uma Revolução a que poeticamente chamamos, dos cravos, (vermelhos).

25 de Abril: A Revolução dos Cravos e o Legado da Liberdade
Foto: José Carlos Nascimento – “Eu era um deles, o Povo. Só que eu tinha câmara fotográfica e eles não”

Esperar 50 anos é de facto muito tempo.

Mas como tudo na vida tem o seu tempo, o meu finalmente chegou ainda a tempo, acho.

Bem hajam a todos os cúmplices que comigo partilharam esta aventura.

José Carlos Nascimento

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