Dos fracos não reza a história e, como todas as figuras marcantes, Mário Soares tanto gerou admiração como semeou ódios de estimação. De uma coisa todos podem ter a certeza, já ninguém o apaga da História e das Estórias da democracia e da liberdade em Portugal
No mês em que se celebram os 100 anos do seu nascimento, Mário Soares é a mais consensual figura política da história recente de Portugal. Apesar de desconhecido para os mais jovens, Soares continua a ser “o bochechas”, como carinhosamente a maioria dos portugueses o conheciam.
Figura decisiva e também divisiva, Soares esteve em praticamente todos os momentos-chave da vida política portuguesa, antes e sobretudo depois do 25 de Abril, deixando o seu legado associado sobretudo à democracia em Portugal. Mas quando o 25 de Abril acontece já Soares fora comunista e depois dissidente do PCP, já fundara o embrião do PS e o próprio PS, já fora advogado, já estivera preso várias vezes, já fora desterrado e exilado.
Depois da revolução, Soares foi o político mais importante na transição e consolidação da democracia portuguesa. Atrás das 11 eleições em que foi candidato (ganhou duas legislativas, duas presidenciais e umas europeias) está o seu legado, muitas vezes esquecido ou mal interpretado, agora em foco por ocasião do centenário do seu nascimento.
A história do último quartel do século XX português confunde-se com Soares. Como disse Ferro Rodrigues, antigo presidente da Assembleia da República, “se a nossa geração já fez política em democracia, se as gerações dos meus filhos e netos já cresceram num país livre, democrático e europeu, a ele muito o devemos”.
Aliás, como foi defendido unanimemente na Fundação Calouste Gulbenkian, durante a conferência no âmbito do centenário do seu nascimento: “O Portugal democrático, europeu e cosmopolita é o país de Mário Soares”, recordando o slogan que ficou para a história da campanha que levou Soares a Presidente da República, em 1986: “Soares é fixe”, que na perspectiva dos vários oradores vai perdurar durante muitos anos.
Cavaco Silva – com quem Soares manteve várias vezes duros combates políticos – reconhece que foram “adversários políticos”, mas que isso não o impedia de o ver como um homem que “dedicou grande parte da sua vida à defesa dos ideais republicanos e ideais democráticos”, que lutou “contra todas as formas de totalitarismo” e que “tinha uma visão estratégica da importância da adesão de Portugal à Comunidade Europeia”.
Os últimos combates de Soares foram contra o governo de Passos Coelho (2011-2015) e em defesa de José Sócrates. Passos Coelho líder do PSD – partido cuja agenda política dos próximos dias foi cancelada – disse que “será impossível” escrever a História de Portugal das últimas dezenas de anos “sem nelas encontrar referências múltiplas à intervenção política de Soares, em muitas ocasiões decisiva”. E seria “mesquinhez não sublinhar o papel muito relevante” que teve na democratização do país. Na relação entre os dois sempre imperou o “respeito e a cordialidade”, apesar das divergências. Já Sócrates salientou o apoio que dele recebeu quando esteve preso e depois: “O que ele fez por mim nos últimos tempos ficará para sempre no coração.” Um outro ex-líder do PS, António Guterres, agora secretário-geral da ONU, recordou o ex-Presidente da República como “um dos raros líderes políticos de verdadeira estatura europeia e mundial”. Revela as várias facetas do político, de «bon vivant» de divertido a mulherengo, o que permite vê-lo como “mais humano, distante da imagem santificada, etérea, que muita gente tem feito dele”.