No rectângulo à beira-mar plantado, onde se troca a História por refrões e a política por romarias pop, o funeral do Papa deu mais sumo do que a morte do pensamento. Com a desculpa de três dias de luto, adiou-se o 25 de Abril, misturou-se com o 1.º de Maio, e acabou tudo em fanfarra de Tony Carreira ao som de “Sonhos de Menino”. Montenegro cantou, PNS hesitou, e o país ficou às escuras — literalmente e metaforicamente.
Portugal vive dias de opereta. O debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro foi, na verdade, um ensaio geral para uma peça de teatro amador. Montenegro chegou antes do tempo, como um noivo nervoso, a ensaiar frases feitas em frente ao espelho. Pedro Nuno chegou atrasado, talvez a tentar parecer artista, talvez só perdido no trânsito da sua própria inconsistência. Um debate em que se discutiu o apagão, mas se ignorou a escuridão real: a do pensamento, da cultura, da educação, da política externa, da saúde, da vida concreta das pessoas.
Do lado de lá do palco, a imprensa sorri esfomeada, mas sem dentes: jornalistas a correr atrás do tema viral do dia, a perguntar sobre candeeiros e tomadas, esquecendo escolas, professores, guerras ou hospitais. Já se faz jornalismo em regime de hashtags.
Luís Montenegro, sempre com um sorriso plastificado de feira agrícola, atira postas de pescada com sotaque de telenovela da TVI. Repete que é honesto com a convicção de quem foi avisado para repetir isso muitas vezes, não vá alguém desconfiar. Já Pedro Nuno Santos, com dicção de comentador de jogo na Liga 3, tropeça nas próprias palavras e no próprio passado. A cada resposta parece um aluno que não estudou, mas insiste em usar palavras difíceis para parecer que sabe. O problema? Já ninguém se deixa enganar. Nem os professores. Nem os alunos. Nem o público.
A política tornou-se um spin-off de “The Voice Portugal”. Em vez de ideias, temos vozes desafinadas. Em vez de programa político, temos playlists. E Montenegro, qual Paulo de Carvalho de segunda linha, aproveita a ausência de qualidade para entoar baladas no palacete de São Bento. Um primeiro-ministro que canta “Sonhos de Menino” num evento chamado “São Bento em Família” como se fosse padrinho de batizado num salão de festas do concelho de Ourém.
E os símbolos? O 25 de Abril, que se queria liberdade e ruptura, virou pano de fundo para duetos com o crooner nacional. Pior: justificado com a morte do Papa. Como se o luto nacional fosse desculpa para trocar cravos por corações partidos ao som de baladas. O respeito pelo Papa transforma-se em expediente para evitar falar da democracia. É esta a nova laicidade à portuguesa: canta-se Carreira em vez de citar Salgueiro Maia.
Entretanto, os jovens — esses mesmos que os políticos tanto invocam como desculpa para tudo — andam a ver Reels, a escolher entre a abstenção e o extremismo, convencidos de que nada mudará. E talvez não mude mesmo. A democracia está cansada. Está velha. Está desafinada.
A verdade? Este debate, esta festa, esta governação em modo karaoke, tudo isto revela o mesmo diagnóstico: Portugal foi capturado por amadores com ambições de profissionais. E o pior? Não querem aprender, nem melhorar. Querem apenas ser a estrela do serão de sábado.
Montenegro canta. Pedro Nuno tropeça. A imprensa aplaude. O público boceja. E o país, esse, continua às escuras, sem livros, sem mestres, sem ideias.
Pelo menos Tony Carreira estava afinado.
Vá lá que desta vez o FJPires teve a coragem de malhar no inominável Montenegro, que acha os Portugueses são parvos e que quer fazer crer aos incautos que ser Primeiro-Ministro e andar a receber avenças como recebeu o condenado Ministro Pinho seja perfeitamente legitimo. Não é. Pena é porém que o mesmo FJPires não dedique também os seus ataques a malhar no dono do partido local Sempre, que ao contrário do Montenegro até já foi condenado pela justiça Portuguesa.