Manolo, 74 anos, filho de pai português e mãe espanhola, atirou a matar sobre duas jovens campistas já despidas – que então tentou violar. Saiba toda a história da noite fatal na Barragem de Póvoa e Meadas, Castelo de Vide.
A noite caíra há duas horas e pouco. Nos terrenos de um parque de campismo ilegal junto da Barragem de Póvoa e Meadas, uma pacata aldeia norte-alentejana ali a quatro quilómetros do lago, dezenas de rapazes e raparigas faziam a festa nesta terça-feira, como é normal nas noites de verão. Dentro de uma pobre e desconsolada caravana Manolo, um antigo Guarda e Militar luso-espanhol, ouvia a algazarra dos miúdos, enquanto ia dando cobro a uns copos de vinho tinto, aviado em Póvoa e Meadas, no dia anterior. Manolo, que alguns dizem estar fugido à Guardia Civil, era figura conhecida na aldeia. Na sua motoreta scooter visitava o supermercado local e sempre, sempre, levava umas garrafas ou caixotes de vinho, para combater a solidão ou a amargura. O “monstro”, como agora a população lhe chama, era afinal uma pessoa que se dava “muito bem” com a rapaziada. Um jovem que o conhecia, à conversa com O Regiões, conta: “Ainda no domingo estivemos a falar. Ele era bacano, não parecia um velho, uma pessoa má. Contava muitas histórias e a gente ria-se”, diz um natural da aldeia.

De poucas falas, Manolo “Fatacha”, ou “o Espanhol” não era o único a viver no ilegal parque de campismo e caravanismo. Há mais de 20 anos que aquele hectare de terra foi ocupado ilegalmente, sob o olhar alheio do então presidente da Câmara do PSD. Foi tornando hábito ter ali as decrépitas tendas e caravanas. Apesar da resistência do PS eleito e da população, o parque sobreviveu sempre a multas, despejos e críticas ferozes.
Na noite de seis de Agosto, Manolo, talvez inebriado pelos vapores do tinto, ouviu risos e esgarabulhas lá fora. Com ou sem tino – a Polícia Judiciária o descobrirá – saiu à rua. Fitou duas moças de 17 e 22 anos e, algoz, foi-se a elas com a maldade na ponta da caçadeira. Dominou-as em dois tempos, manietando-as, e tentou, à vez, violar cada uma. O Instituto de Medicina Legal de Lisboa está a fazer exames com o chamado “kit de violação” às moças, que foram transportadas do Hospital de Portalegre para o de S. José, na capital, de urgência, na própria noite do alegado crime. Ou crimes: tentativa de violação, de homicídio e de posse de arma ilegal.
Aos gritos e após o tiro, outros campistas enfiaram a cabeça fora das tendas. Uma rapariga percebeu o drama e ligou para as autoridades. Uma familiar de uma das vítimas foi também avisada.A mais jovem, de 17 anos, natural de Nisa, ficou ferida nas mãos e pernas, pelo chumbo assassino do disparo do Espanhol. A amiga, de 22, sofreu lesões lombares, segundo assegura a GNR a’O Regióes.
Nadar? Nã…
A GNR tardou apenas os 12 quilómetros que separam Castelo de Vide e Nisa da Barragem. À chegada os 22 elementos da ordem pública aprontavam-se para abordar Manolo. Este, quando os viu, desatou em correria descompassada, rumo à água. Ia fugir, pensou, esquecendo-se que
nunca aprendeu a nadar. Balbuciou em portunhol contra a GNR e enfiou-se na água, atrapalhando-se a cada passo bêbado. As vítimas estavam já a ser atendidas na ambulância VMER, que as acalmou do pânico em que estavam e aplicou os primeiros curativos.
Quinta vez
Pouco demorou a Guarda dominar Manolo. Cercado e de armas apontadas, com a caçadeira de canos serrados empapada e a memória de que a nado nunca se safaria, rendeu-se ao seu destino, finalmente. Fonte policial confirmou aos nossos repórteres que esta terá sido a quinta vez que o Espanhol tentou violar jovens senhoras nas margens da Barragem. As três primeiras foram ignoradas. A quarta, perpetrada contra uma jovem francesa, filha de emigrantes, ainda teve queixa feita mas, por mor de razões por apurar, foi retirada. E apenas esta, já nas mãos da Polícia Judiciária e do Ministério Público, seguirá o seu caminho. O alegado agressor deverá ficar em prisão preventiva, a aguardar julgamento.
Ao fim da tarde desta quarta feira a Câmara Municipal de Castelo de Vide lamentava, em comunicado, o sucedido. Mas afirmava que a Barragem da Póvoa era um local seguro e de paz. Tirando, claro, recordamos, o dia em que arderam centenas de carros no Festival Andanças – onde o pânico tomou conta dos bailantes que viram os seus automóveis consumidos pelas chamas de Agosto.
Mas há mais
Ao longo dos anos são vários os relatos de predadores sexuais ou tarados que frequentam a albufeira de Castelo de Vide. “Havia um que se punha atrás dos canchos a masturbar-se a olhar para as raparigas”, conta um morador a’O Regiões. “Houve alarme sobre o Espanhol dado pelo Marroquino [vendedor ambulante], que dizia que Manolo não era certo, que estava perdido”. Ainda um terceiro, testemunho recolhido por este jornal: “Atrás de uma casa modelo, no pinhal, cujo empreendimento nunca andou para a frente, estava outro homem de meia idade, sozinho, que ia chatear as caspinhas”, afirma. Destes, não há notícia que alguma vez tenham praticado crimes.
O parque de campismo ilegal volta agora a ser contestado com assertividade pela população local. A morte do dono do único café que existia na Barragem, há uns anos, do outro lado da estrada do dito parque, deixou também ruínas pré-fabricadas onde, por vezes, se acoitam pessoas para vícios malditos. No entanto, sabe O Regiões, a pacífica localidade de Póvoa e Meadas e a vila de Castelo de Vide ocupam o lugar cimeiro das localidades com mais baixa criminalidade em todo o país.