Vice Presidente da Câmara de Idanha-a-Nova falsifica documentoA Origem do processo
Conforme foi adiantado pelo O Regiões em edições anteriores, este processo teve origem numa denúncia anónima, onde foram relatados factos alegadamente praticados pela Presidente da Direcção, Idalina Jorge Gonçalves Costa, da IPSS denominada de “Movimento de Apoio e Solidariedade Colectiva ao Ladoeiro”, com sede no Ladoeiro, Idanha-a-Nova. Aí se dava conta que Idalina Costa falsificara uma acta, com o intuito de se desresponsabilizar pela contratação do seu marido, Francisco Afonso Costa, como médico da instituição.
Após proceder a todos os actos do Inquérito, o Ministério Público não teve dúvidas e deduziu acusação contra Idalina Jorge Gonçalves da Costa, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Idanha-a-Nova, pela prática, em autoria material, na forma consumada de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, alínea a) e 256.º, n.º 1, alíneas a) e d), ambos do Código Penal.
Estratégia da defesa não surtiu efeito
Pela defesa, assumida pelo advogado Luís Cruz Campos, foi ainda suscitada a existência de prova proibida, por violação do disposto no artigo 59.º, n.º 1 do Código de Processo Penal bem como a inconstitucionalidade da decisão que viesse a ser proferida, por violação do princípio da não auto-incriminação.
Apreciada a questão, a Juiz de Direito Sandra Cardoso entendeu que não houve qualquer violação do princípio da não auto-incriminação, nem da prova proibida, que determinasse a nulidade de toda a prova produzida no processado, pelo que declarou improcedente o invocado pela arguida.
Dos factos provados
Marido da arguida favorecido em 75.000 euros
Quanto aos factos, a Juiz de Direito Sandra Cardoso não teve qualquer dúvida em dar como provado que, em data não concretamente apurada, mas certamente no ano de 2011, Idalina Costa, enquanto presidente da direcção do MASCAL, decidiu contratar Francisco Afonso Costa, seu marido, por via da entidade Heloísa Afonso Costa — Biotecnologia, Unipessoal, Lda., para a prestação de serviços médicos no MASCAL, mediante o pagamento de remuneração.
Assim, conforme sugerido e decidido pela arguida Idalina Costa, Francisco Afonso Costa, seu marido, foi contratado para a realização de prestação de cuidados de saúde na área médica aos seus utentes e sócios durante 6 horas semanais, divididas pelas segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira, e sempre que fosse imprescindível, assumir a direcção clínica e técnica no MASCAL, mediante a retribuição mensal de 1.200,00€.
A entidade Heloísa Afonso Costa — Biotecnologia, Unipessoal, Lda. foi constituída 03 de Março de 2010, tendo como objecto social a investigação e desenvolvimento em biotecnologia, com sede em Ladoeiro, Idanha-a-Nova, e tinha como sócia e única gerente Heloísa Gonçalves Afonso Costa, filha da arguida.
Em 29 de Dezembro de 2011, a entidade Heloísa Afonso Costa -Biotecnologia, Unipessoal, Lda. alterou a sua designação para Francisco Costa – Medicina Familiar, Unipessoal, Lda., e o seu objecto social passou a corresponder à actividade de práticas médicas de clínica geral e criação de gado bovino.
O médico Francisco Afonso Costa manteve a prestação de serviço ao MASCAL entre 1 de Março de 2011 até 31 de Dezembro de 2017.
Durante o referido período, o MASCAL pagou a Francisco Afonso Costa o valor de pelo menos 75.400,00€.
A violação da lei em vigor
A contratação do marido era proibida por lei
À data da contratação de Francisco Afonso Costa, cônjuge de Idalina Costa, estava em vigor o DL n.º 119/83, de 25 de Fevereiro que previa no artigo 21.º, n.º 4: “Os membros dos corpos gerentes não podem contratar directa ou indirectamente com a instituição, salvo se do contrato resultar manifesto benefício para a instituição.”
Com a entrada em vigor em 01-11-2014, do DL n.º 172-A/2014, de 14 de Novembro, veio aditar ao acima identificado diploma o artigo 21.º-B, n.º 2, com a seguinte redacção: “Os titulares dos órgãos de administração não podem contratar directa ou indirectamente com a instituição, salvo se do contrato resultar manifesto benefício para a instituição.”
Sobre a contratação de Francisco Afonso Costa, até à data da cessação da prestação de serviços do médicos, a 31 de Dezembro de 2017, inexistiu qualquer deliberação pelos órgãos da Direcção do MASCAL.
Inexistiu de igual modo qualquer publicitação do posto de trabalho de médico, consulta ao mercado no sentido de apurar da existência de outros médicos dispostos a prestar serviço na referida IPSS, indicação das horas de serviço médico a prestar, nem tão pouco qual o valor dos honorários a retribuir por tais serviços.
A decisão de contratar Francisco Afonso Costa consta da acta n.º 1 /2018, onde são descritos trabalhos de uma reunião datada de 18 de Agosto de 2018, data posterior à cessação de funções de Francisco Afonso Costa no MASCAL.
A mentira passada a escrito
Na referida acta é dado conta que “Tomou a palavra o Sr. Secretário da Direção, José Leitão R. Pereira que disse ter partido dele a contratação do Dr. Costa, por ser o único a viver na localidade e ser, durante 40 anos, o médico da localidade. Propôs à Tesoureira e a mesa concordou com a melhor contratação para os utentes da instituição. A Presidente da Direcção não foi ouvida neste processo, por ser a esposa do médico em causa. A Sra. Tesoureira usou da palavra dizendo que, na qualidade de farmacêutica, vive os problemas dos idosos de Ladoeiro, por terem listas de espera para irem ao médico porque há poucos no concelho e não chegam.”
Na referida reunião, ao contrário do que é ali referido, não estiveram presentes a arguida, nem José Pereira e Adelaide Castanho.
A reunião relatada na acta n.º 1/2018 não existiu. A acta n.º 1/2018 foi elaborada pela arguida Idalina Costa, em data não concretamente apurada, mas situada no ano de 2018, cuja redacção formal foi efectuada por Maria Dulce Seborro Pereira Gil a pedido daquela, que para o efeito lhe entregou um rascunho da mesma.
Maria Dulce Seborro Pereira Gil limitou-se a transcrever para o livro de actas o texto que a arguida Idalina Costa lhe havia entregado.
Tal documento foi assinado posteriormente, em data não concretamente apurada, mas certamente posterior a 18 de Agosto de 2018, pela arguida Idalina Costa, por José Pereira e por Adelaide Castanho.
O esquema da falsificação
Membros da direcção acedem a pressões da directora
A arguida Idalina Costa, José Pereira e Adelaide Castanho conheciam que o que ficou declarado na acta acima identificada sobre a contratação de Francisco Afonso Costa não correspondia à verdade, sendo que tais falsidades tinham como objectivo de formalizar e justificar a contratação daquele e de fazer constar que a referida contratação havia sido iniciativa de José Pereira e de Adelaide Castanho e não da arguida Idalina Costa, o que todos bem sabiam.
A arguida Idalina Costa, José Pereira e Adelaide Castanho conheciam perfeitamente que tais declarações em nada correspondiam à verdade, no entanto, tal não os impediu de as prestarem e fazendo-as constar em acta.
A arguida Idalina Costa, de comum acordo, no desenvolvimento de plano previamente delineado, em comunhão de esforços e intentos com José Pereira e Adelaide Castanho, agiu de forma livre, consciente e voluntária, com o objectivo de formalizar e justificar a contratação de Francisco Afonso Costa e de fazer constar que a referida contratação havia sido iniciativa de José Pereira e de Adelaide Castanho e não da arguida Idalina Costa, assim procurando evitar, com tais declarações, que fosse atribuída à arguida qualquer responsabilidade pela contratação de Francisco Afonso Costa.
A arguida Idalina Costa, José Pereira e Adelaide Castanho ao fabricarem tal acta e ao fazerem com o próprio punho a sua assinatura, agiram com o propósito deliberado e concretizado de fazer constar em tal documento factualidade que bem sabiam corresponder à realidade, sendo portanto falsa. Agindo assim, colocaram em causa a segurança e credibilidade no tráfico jurídico com documentos, com o objectivo de alcançar para a arguida Idalina um benefício ilegítimo, de evitar que lhe fosse atribuída qualquer responsabilidade pela contratação do seu marido Francisco Afonso Costa, o que representaram e conseguiram.
Deste modo, ao forjar a supramencionada acta, sabiam a arguida Idalina Costa, José Pereira e Adelaide Castanho que colaboravam com a intenção de fabricarem documentação falsa cujo objectivo final era fazer constar no mesmo factualidade juridicamente relevante, que não correspondia à verdade, designadamente que a contratação de Francisco Afonso Costa tinha partido de José Pereira e Adelaide Castanho e não da arguida Idalina Costa, o que sabiam não corresponder à verdade.
Nas circunstâncias acima descritas, actuou a arguida Idalina Costa, de modo livre, voluntário e conscientemente, concertadamente e em conjugação de esforços e intentos, de acordo com o plano previamente delineado, de forma concertada e de colaboração mútua, com José Pereira e Adelaide Castanho, tendo em vista a fabricação da acta suprarreferida, bem sabendo que a sua conduta, que supra se descreveu, era proibida e punida por lei penal.
Membros da direcção
Os demais arguidos confessam os factos e beneficiam da suspensão do processo
De referir que as testemunhas Adelaide Castanho e José Pereira foram ouvidas, em sede de julgamento, nessa qualidade, sendo certo que tinham assumido, num primeiro momento, a qualidade de arguidos. Porém, confessando os factos, aos mesmos foi aplicado o instituto da suspensão provisória do processo, por proposta do Ministério Público e com concordância dos mesmos, tendo sido proferido despacho de arquivamento, datado de 18.05.2022, sendo-lhes impostas injunções e regras de conduta.
Assim, formou o Tribunal a convicção de que a acta foi elaborada com o objectivo de formalizar e justificar a contratação de Francisco Afonso Costa e de fazer constar que a referida contratação havia sido iniciativa de José Pereira e Adelaide Castanho e não da arguida Idalina, procurando-se, desse modo, obter o benefício ilegítimo de evitar que fosse atribuída à arguida qualquer responsabilidade pela contratação do seu marido Francisco Afonso Costa, posto que atenta a legislação em vigor, os membros dos corpos gerentes não podiam contratar directa ou indirectamente com a instituição, salvo se do contrato resultar manifesto benefício para a instituição. A arguida sabia da acção inspectiva levada a cabo pela Segurança Social, sabia que não havia acta sobre a contratação do seu marido, sabia que a mesma podia ser responsabilizada pela contratação do seu marido, cuja decisão passou por si. Deste modo, ao fazer constar que a decisão da contratação do seu marido havia sido da única responsabilidade dos dois outros membros da Direcção e que a mesma não tinha tido qualquer intervenção, pretendia afastar que sobre si recaísse qualquer responsabilidade quanto à contratação do seu marido, obtendo, desse modo, benefício ilegítimo.
Tribunal não teve dúvidas: houve crime de falsificação
Verificados que estavam os elementos objectivos e subjectivos que preenchem o tipo legal de falsificação de documento, o Tribunal teve de averiguar quais as consequências jurídicas do crime. O crime de falsificação de documento previsto no artigo 256.º, n.º 1 do Código Penal, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. Atento que o crime é punido, em alternativa, com pena de prisão ou com pena de multa, caberá, em primeiro lugar, determinar a natureza das penas a aplicar ao Arguido.
Na presente situação, atentas as circunstâncias do caso, a Juiz de Direito Sandra Cardoso considerou que a aplicação de uma pena não privativa da liberdade satisfazia as exigências de prevenção geral e as exigências de prevenção especial que o caso reclama, pelo que optou pela aplicação da pena de multa.
No caso concreto, a Juiz quis ainda atender ao facto de a arguida ter actuado com dolo directo, a forma mais intensa do dolo, pelo que considerou que o seu grau de culpa é elevado. Além disso, atenta a factualidade que resultou provada, as circunstâncias e ao modo de execução do crime, bem como as funções desempenhadas pela arguida na instituição.
MASCAL – de Presidente da Direcção – considerou a magistrada que o grau de ilicitude da conduta da arguida fora elevado.
Por isso considerou que as exigências de prevenção geral positiva são medianas, dada a frequência com que estas condutas ocorrem, sendo necessário repor a confiança nas normas jurídicas violadas de modo a que se evitem situações de insegurança e de restabelecimento na fé pública dos documentos.
Falta de antecedentes justificou a pena de multa
Porém, no entender da magistrada, a favor da arguida importa considerar que a mesma não tem antecedentes criminais e que se trata de pessoal social, profissional e familiarmente inserida, mostrando-se ténues as exigências de prevenção especial. Face ao exposto, e ponderadas todas as circunstâncias, entende o Tribunal ser adequado, proporcional e suficiente impor à arguida uma pena de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de 10 euros, no valor global de mil euros, pela prática de um crime de falsificação de documentos.
Recurso pode estar a ser preparado
Advogado de defesa escusa-se com alegado atraso da disponibilização de sentença
Desta decisão cabe sentença para o tribunal superior, que neste caso é a Relação de Coimbra.
Até ao momento, O Regiões não conseguiu apurar, junto do MP, se este irá recorrer da decisão, uma vez que este também o poderá fazer.
Por seu turno, contactado, hoje dia 19 de Maio, o advogado Luís Cruz Campos, defensor da arguida, sobre se se conformava com esta decisão, ou se iria recorrer, o mesmo afirmou, em nota enviada à redacção, que, por motivos que lhe são alheios, a referida sentença ainda não havia sido disponibilizada via Citius e que, consequentemente, ainda não tivera oportunidade de analisar os fundamentos de facto e de direito que sustentam a decisão, pelo que, nesta data, ainda não sabia se iria recorrer da decisão condenatória.
Porém, O Regiões sabe, por informações prestadas por fonte do Tribunal Judicial de Idanha-a-Nova, que a sentença condenatória foi disponibilizada via Citius logo no dia 17 de Maio, ou seja no próprio dia em que teve lugar a leitura que condenou a Vice-Presidente da Câmara pelo crime de falsificação, começando, nos termos da lei, o prazo de recurso a contar da respectiva data.