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Tome Borges, de oito em oito horas

Há uma entrevista a Jorge Luís Borges, escritor argentino genial, nos arquivos do jornal El Pais. Fruto de um trabalho de escola de um rapaz que seria, depois, jornalista, as perguntas e as respostas dão mérito a este texto clarinho, de 1982.

Borges é simples e nunca se armou em camarão. Apesar de dizer frases bombásticas durante a sua vida, sobre o regime e o mundo, percebe-se a sua humildade na última resposta ao entrevistador, quando instado a deixar um conselho aos mais novos. Atira:

“Eu não soube orientar a minha vida, não posso dar conselhos aos outros. A minha vida foi uma série de equívocos. Não posso dar conselhos, ando um pouco à deriva. Quando penso no meu passado tenho vergonha. Não deixo mensagens, os políticos deixam mensagens…”.

Borges declara-se um anarquista conservador, o que é uma belíssima definição. A ética é mais importante que a política e, assegura, através da ética pessoal deixará de haver polícia, religião, governos e, acrescenta-se, capatazes e mesquinhez.

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O universal Borges, com um avô nascido em Torre de Moncorvo, não alinhava com os “esquerdismos” histéricos, que foram dançar para a Grécia com o Syriza e, depois, bico calado. Para ele, melhor, era o Estado mínimo. Mas ao contrário dos modernaços que dizem isto sem param para pensar, Borges exigia que cada cidadão se comportasse com o maior sentido exemplar de ética. A isto se chama anarquia ou, mais preciso ainda, socialismo libertário – e isto Borges compreendeu. O seu lado conservador talvez lhe fosse apenas fácil: justifica muitas vezes que a instituição monárquica não precisa de andar na caça ao voto, o mais repugnante movimento da vida dos agentes da política. Cita-se:

“Em primeiro lugar não são homens éticos; são homens que contraíram o hábito de mentir, o hábito de subornar, o hábito de sorrir o tempo todo, o hábito de agradar a todo o mundo, o hábito da popularidade… A profissão dos políticos é mentir. O caso de um rei é diferente, um rei recebe tal destino, e, portanto, cabe cumpri-lo. O político não; o político deve fingir o tempo todo, deve sorrir, simular cortesia, deve submeter-se melancolicamente à vernissage eterna, às cerimónias oficiais, aos feriados nacionais”.

A desilusão de Borges é compreensível. O lado pessimista dos seus olhos, que foram ficando cegos, apenas lhe mostrava ou o lado degenerado das democracias musculadas ou os generais empertigados, inventados em DC para a América Latina refém. O individualismo libertário encontra-se mais nos livros do que na sua fala – talvez por isso o seu magistral contributo para o fantástico e para as dezenas de homenagens literárias que, desde Garcia Marquez a Eco, lhe foram fazendo estes companheiros de escrita.

Sem assombro de pecado do “tu de esquerda, eu de direita”! Só talento, como deve.

Isto para dizer o quê? Apenas que há uma “nova” entrevista com Borges e que os nossos dias, tão cheios de entediantes necessidades de tormentosas notícias e alvares “últimas horas”, podem ficar mais cheios com umas respostas dadas a um estudante argentino. Como tantos outros, Borges percebeu o mundo e a fealdade das coisas claras. Se uns, como Florbela, Plath ou Camilo decidiram não ver, não ver foi coisa que chegou a Borges sem ele querer. Via no escuro, como dizia.

Quem nos dera.

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Joao Vasco Almeida
Joao Vasco Almeida
Jornalista, autor, (pré-agricultor).

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