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TPI emite mandato de captura para Netanyahu

Pela primeira vez, TPI emitiu mandados contra um país democrático. Governo e oposição israelita estão unidos contra decisão “antissemita” e têm apoio firme dos EUA, que repudiaram a decisão do Tribunal Penal Internacional de emitir mandados de prisão para o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, e seu ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant, por crimes de guerra e contra a humanidade em Gaza. Capitais europeias dividem-se.

O Tribunal Penal Internacional emitiu mandados de captura para o primeiro-ministro israelita , para o seu antigo ministro da Defesa, Yoav Gallant e para responsáveis do Hamas, acusando-os de crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

Em causa estão as ações realizadas no território da Faixa de Gaza e dos ataques do Hamas a 7 de outubro, em Israel, que desencadearam a ofensiva israelita no território palestiniano.

A decisão transforma Netanyahu e os outros visados pelo TPI em suspeitos procurados internacionalmente e é suscetível de os isolar ainda mais, complicando os esforços para negociar um cessar-fogo que ponha fim ao conflito de 13 meses.

Ainda assim, as implicações práticas da decisão pdem ser limitadas, uma vez que Israel e o seu principal aliado, os Estados Unidos, não são membros do tribunal e vários dos responsáveis do Hamas foram posteriormente mortos no conflito.

Netanyahu e outros líderes israelitas condenaram o pedido de mandatos do procurador-geral do TPI, Karim Khan, considerando-o vergonhoso e antissemita.

Na altura em que Karim Khan lançous as recomendações, também o presidente dos EUA, Joe Biden, criticou o procurador e manifestou o seu apoio ao direito de Israel de se defender contra o Hamas.

Na primeira resposta do primeiro-ministro israelita à decisão do TPI, o gabinete de Benjamin Netanyahu descreveu-a como “mentiras absurdas e falsas”, afirmando ainda que a decisão é “antissemita”.

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O gabinete do primeiro-ministro israelita diz rejeitar categoricamente as alegações feitas, explicando que o país “não cederá a pressões, não se deixará dissuadir e não recuará” até que todos os objetivos de guerra de Israel sejam alcançados.

“Um dia negro”, acrescentou o Presidente israelita Isaac Herzog. “Um precedente perigoso”, classificou Gallant. “Antissemita” e “completamente perigoso”, rematou o ministro Itamar Ben-Gvir.

As acusações contra Netanyahu e Gallant são graves: crimes de guerra e crimes contra a Humanidade. O coletivo de três juízes considerou, de forma unânime, haver indícios de que o primeiro-ministro israelita e o seu ex-ministro da Defesa terão, desde o dia 8 de outubro de 2023, privado “intencionalmente a população civil em Gaza de matérias indispensáveis à sua sobrevivência, incluindo água, comida, medicamentos, combustível, eletricidade e acesso a cuidados de saúde”, utilizando assim “a fome como arma de guerra”. Acusam também os dois líderes políticos de terem direcionado ataques “intencionalmente” contra civis. A estes dois mandados podem seguir-se outros, para outros políticos ou chefias militares.

Na prática, o efeito desta ação do TPI será limitado, já que Haia não dispõe de uma força policial própria e a sua jurisdição só se aplica nos países que subscrevem o Estatuto de Roma (124 ao todo, incluindo a maioria das nações europeias, mas não os EUA, a China, a Rússia e o próprio Estado de Israel). Isto significa que Netanyahu e Gallant só serão detidos se viajarem para algum destes países — o que pode ser facilmente evitado, como o Observador explicou em maio, quando o pedido foi feito pelo procurador.

Mas o impacto político da decisão pode ter ramificações imprevisíveis, sobretudo num momento em que Israel negoceia a possibilidade de um cessar-fogo quer com o Hamas quer com o Hezbollah e em que o seu maior aliado, os Estados Unidos da América, estão num processo de transição para uma nova presidência.

Dentro de Israel — onde o primeiro-ministro enfrenta um processo judicial por suspeitas de corrupção, que tem manchado a sua popularidade e que terá uma audiência em breve —, a decisão do TPI pode ter um efeito de união. De Washington já vieram sinais claros de alinhamento total com Telavive, que podem resultar numa guerra aberta com Haia. Mas as reações de vários governos europeus mostram que o Velho Continente está completamente fraturado sobre como deve responder.

A decisão do TPI é, de facto, sem precedentes: nunca líderes de um país democrático e alinhado com o Ocidente tiveram mandados de detenção emitidos pelo tribunal internacional. No passado, o TPI pediu a captura de dirigentes de países como a República Democrática do Congo, o Sudão, o Afeganistão e, mais recentemente, o Presidente russo Vladimir Putin.

Isso tem ocorrido porque, como explica o jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ), as orientações do TPI são para atuar apenas quando os mecanismos judiciais dos próprios países falham — o que habitualmente não acontece em democracias. Ao tomar esta decisão, nota o FAZ, o tribunal está “a acusar implicitamente a Justiça israelita de fechar os olhos às violações legais em Gaza”, por não ter aberto qualquer processo judicial de investigação às ações militares israelitas no território.

Não se espere, porém, que tal venha a acontecer agora. Isto porque o sentimento geral em Israel é de revolta contra a decisão do TPI — basta ver as reações dos políticos da oposição, que se alinharam totalmente com Netanyahu. Benny Gantz decretou a decisão como “uma cegueira moral” e “uma mancha vergonhosa”; Yair Lapid considerou-a “uma recompensa ao terrorismo”.

Aumento da popularidade de Netanyahu

Na prática, aquilo a que deveremos assistir nos próximos tempos é a um aumento da popularidade de Netanyahu e da sua política em Gaza, já que para muitos a decisão do TPI confirma a perceção de que instituições internacionais como a ONU, por exemplo, têm um viés contra o Estado de Israel — e até, para alguns, antissemita.

O sentimento pode ser resumido na expressão invocada esta quinta-feira pelo ministro David Amsalem, que escreveu no X “Hague [Haia] Shmague”, acompanhado de um emoji a mostrar o dedo do meio. O termo não é novo e refere-se, como explicava o Haaretz em 2019, a uma atualização da famosa expressão “Um-Shmum”, usada por David Ben-Gurion, que se pode traduzir por “Desprezo pela ONU”. Agora, é aplicada ao TPI.

“Os efeitos políticos desta decisão vão ser neutralizados por uma forte posição americana que irá resistir a quaisquer tentativas de aplicar a ordem [de detenção]”, notava ao início da tarde Nathan Brown. “Poderão até ser tomadas medidas contra os próprios indivíduos que tomaram a decisão.” Para o académico, seria um caminho perigoso, que abriria um precedente de “criminalização do Direito Internacional”.

Poucas horas depois, confirmava-se parte destes prenúncios. Um porta-voz da Casa Branca afirmou ao Axios que a atual administração está “profundamente preocupada” com “os erros processuais perturbadores que levaram a esta decisão”. Em maio, quando o procurador fez o pedido ao Tribunal, o Presidente Joe Biden tinha classificado a situação como “escandalosa”, acrescentando que “não há qualquer equivalência entre Israel e o Hamas”.

Do lado da futura administração Trump, não há qualquer divergência. “Podem esperar uma resposta forte ao viés antissemita do TPI e da ONU em janeiro”, avisou Mike Waltz, que será conselheiro de segurança nacional do novo governo. A rádio estatal israelita Kann noticiou esta mesma quinta-feira que, ao longo dos últimos dias, Telavive tem estado a recolher ideias e sugestões de ações que a administração Trump pode vir a aplicar ao TPI.

Fora da União Europeia, mas com peso na diplomacia do continente, o Reino Unido também quis manter alguma ambiguidade: garantiu que respeita a “independência” do TPI, mas sublinhou que “não há equivalência moral entre Israel — uma democracia — e o Hamas e o Hezbollah libanês, que são organizações terroristas”.

Nathan J. Brown não tem dúvidas de que a decisão do TPI irá colocar sérias dificuldades à Europa, até porque há a possibilidade de Haia vir a emitir mais mandados de captura para outras figuras israelitas no futuro. “Alguns países europeus, onde se levam muito a sério os mecanismos legais internacionais, vão ficar numa posição embaraçosa”, decreta o investigador. “Divisões intra-europeias, a aliança com os EUA e, por vezes, a política interna vão fazer com que não queiram deter responsáveis israelitas — mas os seus enquadramentos legais e alguns eleitores vão pressioná-los e terão dificuldades em responder de forma coerente e consistente.”

Por um lado, a Hungria apressou-se a condenar a decisão, que classificou de “vergonhosa”; a República Checa afirmou que o Tribunal “minou a sua própria autoridade noutros casos”; a Áustria falou numa medida “totalmente incompreensível”. Por outro, os Países Baixos garantiram que irão deter os líderes israelitas se estes entrarem no país e a Bélgica foi ainda mais longe e pediu que sejam impostas sanções económicas a Israel, porque “crimes de guerra e crimes contra a Humanidade não podem simplesmente não ser castigados” (nas palavras da vice primeira-ministra Petra De Sutter).

Decisões vinculativas para a UE

A Comissão Europeia, contudo, fez-se ouvir rapidamente, através da conta no X de Josep Borrell: “Tomo nota da decisão de emitir mandados de detenção do primeiro-ministro israelita Netanyahu, o antigo ministro Gallant e o líder do Hamas Deif”, escreveu o alto-representante para os Assuntos Externos. “Estas decisões são vinculativas para todos os Estados presentes no Estatuto de Roma, o que inclui todos os Estados-membros da UE.”

“[Em Israel,] até muitos que consideram a medida injusta estão preocupados com o futuro da sociedade em que os seus filhos e netos vão crescer, envolvida numa guerra perpétua e em isolamento internacional.”

O tema abrirá certamente brechas dentro da próxima Comissão, que deve tomar posse em dezembro, dificultando a posição da Europa para lidar com a situação no Médio Oriente. Mas a decisão do TPI, acreditam vários especialistas, contribuirá para que alguns países reforcem as suas críticas a Israel — que, a longo prazo, pode sentir consequências políticas. “Isto cria uma narrativa de um país que não cumpre o Direito Internacional e, portanto, é mais legítimo ostracizá-lo”, resumiu ao Wall Street Journal Yuval Shany, investigador do Instituto pela Democracia de Israel.

Hamas congratula-se

O Hamas saudou, entretanto, a decisão do Tribunal Penal Internacional de emitir mandados de captura contra o Presidente israelita Benjamin Netanyahu e o seu antigo ministro da Defesa Yoav Gallant, qualificando-a de “precedente importante e histórico”, após décadas de injustiça às mãos de uma “ocupação fascista”.

A declaração não se refere aos mandados emitidos contra os líderes do grupo.

O Hamas apelou a todas as nações para que “cooperem com o tribunal para levar os criminosos de guerra sionistas, Netanyahu e Gallant, à justiça, e para que trabalhem imediatamente para pôr fim aos crimes de genocídio contra civis inocentes na Faixa de Gaza”.

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