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Castelo Branco

Um coração com bico de papagaio

‘Aquele indivíduo é de gancho’!… ‘Aquela senhora é de gancho’…, ouvimos dizer de quando em vez. Isto para dizer que tal pessoa é de temperamento difícil, tem maus fígados.

Em forma de gancho, e a quem, pelas suas semelhanças, se dá o nome de bicos de papagaio, são aquelas estruturas ósseas que, devido a várias causas – a que não estão alheias o envelhecimento e as más posturas -, surgem nas vértebras, causando dores e formigueiros, um mal-estar geral. E, de facto, não faltam pessoas com sintomas de grave osteofitose que as atormenta, encarquilha e curva. Mas acho que estes bicos de papagaio, se fazem sofrer, não são os piores. Embora causem imenso dano, estão circunscritos àquelas pessoas que os suportam. A ginástica acompanhada, os analgésicos, os corticoides e as cirurgias, podem ajudar o paciente, dizem os entendidos.
E dizem-no tanto mais convencidos quanto mais eles próprios não sofrem do mesmo!

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Mais prejudiciais, porém, – acho eu! – são aqueles outros ‘bicos de papagaio’ que atingem o coração humano, invisíveis na estrutura, mas notórios na atuação e com efeitos de contágio. Em vez de deixarem o coração trabalhar a irrigar naturalmente o mundo de bem-fazer e paz, de beleza e arte, de alegria e esperança, provocam a desconstrução pessoal, familiar e social como se de saltos civilizacionais se tratasse. Embandeirados em arco, são difíceis de gerir e digerir, são forças que se desencadeiam do interior do homem e rolam como bola de neve, crescendo, esmagando, destruindo. Se momentaneamente servem o próprio ego e o ego de muitos outros, não tardam em os vencer e tornar subservientes. É por isso que o mundo se apresenta, “simultaneamente poderoso e débil, capaz do melhor e do pior, tendo patente diante de si o caminho da liberdade ou da servidão, do progresso ou da regressão, da fraternidade ou do ódio”
(GS9).

Um coração com bico de papagaio
DR

Reconhecendo o desempenho e os notáveis sucessos do homem no campo das ciências, das técnicas e das artes, coisa que todos apreciamos, aplaudimos,
agradecemos e da qual usufruímos, também se constata que “os desequilíbrios de que sofre o mundo atual estão ligados com aquele desequilíbrio fundamental que se radica no coração do homem”.

Limitado como criatura e ilimitado nos seus sonhos e desejos, atraído por muitas solicitações e nem sempre isento de impulsos e pressões menos boas, interiores e exteriores, o homem tem de fazer opções em consciência e liberdade, sem se minimizar nem se exaltar em norma absoluta. Se isto implica, de facto, uma consciência verdadeira, reta e certa, uma consciência bem formada, também implica aquela liberdade que dignifica o homem, o constrói e constrói o bem comum, aquela liberdade que está na capacidade de optar sempre pelo bem, que atrai para a verdade, que manifesta sabedoria. Quando opta pelo mal, o homem está a ser escravo de si mesmo e escraviza os outros. E se, pelo lugar que ocupa, das suas opções depende o futuro duma sociedade, podemos ter o sofrimento coletivo, a tragédia social, a guerra, o mal-estar.

O homem tem tido, sobre si mesmo, inúmeras opiniões, diferentes e contraditórias. E perante a evolução atual do mundo, “cada dia são mais numerosos os que põem ou sentem com nova acuidade as questões fundamentais: Que é o homem? Qual o sentido da dor, do mal, e da morte, que, apesar do enorme progresso alcançado, continuam a existir? Para que servem essas vitórias, ganhas a tão grande preço?
Que pode o homem dar à sociedade, e que coisas pode dela receber? Que há para além desta vida terrena?”.

A fé ilumina a inteligência e orienta a vontade com uma nova luz, dando sentido à vida e às coisas da vida. A Igreja acredita e anuncia que Jesus Cristo, morto e ressuscitado por todos, oferece à pessoa, pelo seu Espírito, a luz e a força para poder corresponder à sua vocação integral. Sabe que não foi dado aos homens outro nome pelo qual possamos ser salvos. Crê que a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontram no seu Senhor e mestre. Afirma que, subjacentes a todas as transformações, há muitas coisas que não mudam, cujo último fundamento é Cristo, o mesmo ontem, hoje, e para sempre (cf. GS10).

Estamos na Quaresma. Deixemos que Jesus nos tome pela mão, nos conduza para fora de nós mesmos, nos imponha as mãos, uma e outra vez, e
nos ajude a curar os ‘bicos de papagaio’ do coração que até nos podem transformar em ‘pessoas de gancho’, de maus fígados!

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O desafio é sermos santos e ‘santos de ao pé da porta’ para todos. Não santinhos de pau ou de pedra, mas de carne e osso, afáveis na arte
de ser e bem servir, amando.

Antonino Dias

 

 

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