O outro terramoto
A Síria foi abalada por um violento sismo na segunda-feira, dia 6, que causou milhares de vítimas, mas há um outro terramoto que está a levar este país também para o abismo. Sobreviver era já uma tarefa difícil. Mas agora, tudo ficou ainda pior. O retrato é da irmã Maria Lúcia Ferreira, que vive no Mosteiro de São Tiago Mutilado, na vila de Qara.
Um sismo, de magnitude 7.8 na escala de Richter atingiu na madrugada de segunda-feira, dia 6, a Síria e a vizinha Turquia. O terramoto foi sentido em vários países da região. Não terá havido ninguém que não se tenha assustado durante os longos trinta segundos que durou o abalo sísmico. Foi o caso da irmã Maria Lúcia Ferreira. Natural de uma aldeia perto do Milharado, no Patriarcado de Lisboa, ela vive desde 2008 em Qara, no Mosteiro de São Tiago Mutilado, perto da fronteira com o Líbano.“Acordámos com o sismo às 4:20 horas da manhã. Eu apenas senti durante alguns segundos, mas comecei logo a rezar…” Apesar de as ligações pela Internet serem más e de haver constantes falhas na electricidade, a notícia do terramoto correu célere. Em mensagem enviada a meio da manhã para Lisboa, para a Fundação AIS, a religiosa, que é mais conhecida como Irmã Myri, adiantava que, segundo as informações disponíveis, o sismo teria sido sentido principalmente “nas cidades de Alepo, Idlib, Lattakia e Hamã”. “Também no sul, em Tartous, mas aí foi coisa pequena, assim como nós sentimos aqui. Mas lá sim, há muitos mortos e há muitos feridos…”
Tempos muito duros
Mesmo com informações ainda muito imprecisas, e longe de ter ainda sequer uma ideia da real dimensão da catástrofe, a irmã portuguesa mostrava-se já muito apreensiva. Principalmente por causa do mau tempo que se faz sentir em grande parte do território da Síria… “Há três, quatro dias de vento forte e muito frio. As pessoas devem estar bastante abatidas”, disse a irmã. O sismo, que teve ainda uma réplica de 7.7 na escala de Richter cerca de sete horas depois, ocorre numa altura em que a Síria vive tempos muito duros, com falhas constantes no fornecimento de electricidade e de combustíveis, o que tem agravado, e muito, as condições de sobrevivência das populações. A situação é tão grave, principalmente ao nível energético, que, conta ainda a irmã Myri, as escolas passaram a estar encerradas mais um dia por semana pois falta o “mazout”, o óleo usado para o aquecimento das casas e sem isso não é possível receber os alunos, especialmente os mais pequenos. Mas não só. Dando o exemplo da região de Qara, onde vivem as Monjas de Unidade de Antioquia, a irmãportuguesa diz que, agora, “só há electricidade uma hora por dia”, mas houve dias “sem nenhuma electricidade”. E se juntarmos isso ao racionamento do gás, a vida das famílias fica muito mais difícil, quase impossível.
Espectro da fome
“A nível energético é que as coisas estão realmente a ficar bastante complicadas”, descreve a irmã. “É o combustível para cozinhar, a ligação à internet, o telefone, a rede telefónica… tudo o que pede alguma energia está a ficar cada vez mais fraco. Os transportes estão caríssimos, as deslocações caríssimas, por causa da falta de gasolina e da [sua] má qualidade, assim como os preços altíssimos da comida, de tudo o que é roupa, sapatos…” E o espectro da fome permanece como uma ameaça concreta para a grande maioria da população. “O governo diz que tem ainda reservas de trigo para sete meses”, afirma a religiosa portuguesa. “Depois, logo se vê, a ver vamos o que se vai passar.” E deixa uma pergunta inquietante no ar: “Como é que as pessoas vão ter acesso ao pão?” A pergunta, agora, ainda é mais difícil de responder. O sismo de segunda-feira trouxe à luz do dia um outro terramoto social e económico que estava escondido e que vinha já a abalar profundamente a Síria. Perante esta situação tão dura em que se encontra a grande maioria da população, agora agravada pelo sismo que arrastou milhares de famílias para a quase condição de sem-abrigo, a irmã Maria Lúcia Ferreira pede a ajuda e as orações de todos para que o mundo não feche os olhos ao sofrimento deste povo tão martirizado por 12 anos de guerra e que agora viu sucumbir, em menos de um minuto, a vida de tantos compatriotas.
Paulo Aido