Numa nota enviada à comunicação social, a Parpública confirma a compra de ações dos CTT, mas salienta que a operação “ocorreu no cumprimento dos requisitos legais”. Acrescenta que os documentos relativos a essa aquisição foram considerados “informação reservada” pelo Ministério das Finanças de forma a evitar “perturbações indevidas” da cotação dos títulos em causa no mercado
A posição que o Estado construiu nos CTT é de 355 mil ações, o que equivale a 0,24% dos quase 144 milhões de títulos que representam o capital da instituição, informação divulgada pelo jornal Expresso. O objetivo do Governo era, em 2021, alcançar os 13% de capital, que permitiria posicionar-se, ao lado de Manuel Champalimaud, como principal acionista da empresa de serviços postais. O então ministro das Finanças, João Leão, pediu segredo sobre a operação.
Ao preço de fecho desta quarta-feira (3,56 euros por ação), o valor desta participação que é detida diretamente pela Parpública é agora de 1,26 milhões de euros. O valor muda ao longo das sessões, consoante a cotação dos títulos da empresa comandada por João Bento.
No comunicado às redações, a Parpública explica que avançou para a compra das ações dos CTT em “cumprimento dos requisitos legais”: o despacho que determina as aquisições, assinado por João Leão, em agosto de 2021; ordem que tinha sido precedida por um parecer prévio da UTAM – Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Setor Público Empresarial, que se pronuncia sobre as operações de compra e venda de participações por empresas públicas, datado de fevereiro de 2021.
A Parpública é a sociedade do Estado que gere as participações em empresas, sendo que nos seus relatórios e contas de 2021 e 2022 não divulgou esta posição nos CTT individualmente (integrando-as no conjunto de pequenas posições). O Eco tinha já noticiado que seria “muito residual”.
Ministro queria 13%
O ministro deu a ordem para a Parpública fazer as compras, mas só depois de a UTAM ter dado autorização a que fosse comprada uma posição de até 13%. “Considera a UTAM que se encontra suficientemente justificado o interesse (público) na realização da operação de aquisição de participação social em causa”, é o que aponta tal parecer. As compras seriam feitas em bolsa e isso, adiantava este organismo que integra o Ministério das Finanças, garantia a viabilidade financeira da transação.
A UTAM foi chamada a pronunciar-se e deu parecer favorável – mas essa posição foi escondida: ao contrário dos pareceres de aquisição e venda de ações em empresas, este não foi publicado no site.
Estes são documentos que só agora foram divulgados pela Parpública. Isto porque, até aqui, eram classificados como confidenciais, por decisão de João Leão. “Para evitar perturbações indevidas da cotação destes títulos no mercado, estes documentos foram considerados informação reservada pelo Ministério das Finanças, à época”, segundo a nota da empresa.
A Parpública torna-os agora públicos porque o despacho governamental deixou de ter efeitos no primeiro semestre de 2022 e porque já passaram “mais de dois anos desde a última aquisição de ações dos CTT”. “Os documentos podem agora ser tornados públicos por determinação do Ministério das Finanças”, diz a “holding” em relação a uma decisão de publicidade tomada agora pelo gabinete de Fernando Medina.
Estado quis ter 13% dos CTT, mas acabou por ficar só com 0,24% e João Leão pediu segredo sobre a operação
Compra discreta
A decisão do ministro João Leão de manter a confidencialidade da operação também se vê ao facto de querer avançar para uma primeira fase de compra de ações mais discreta, sem que o mercado fosse informado.
“Atendendo à necessidade de divulgação de informação ao mercado sempre que sejam atingidos patamares de participação qualificada a partir dos 2%, aprovo a aquisição faseada, em bolsa, de ações dos CTT pela Parpública até ao limiar máximo de 1,95%, momento em que a estratégia de aquisição deverá ser reavaliada”, é o que indica o despacho do João Leão.
Atualmente, as regras do mercado de capitais – pelas quais os CTT se regem – só obrigam a que seja divulgada a participação acima dos 5% do capital. Nem perto disso está a posição acionista estatal na empresa que é dona do Banco CTT. No entanto, quando o Governo decidiu avançar para estas compras em mercado, as regras eram mais exigentes e obrigavam a que a fasquia fosse de 2% (elas mudaram precisamente no fim de 2021).
Nesta primeira fase, Leão determinou um teto máximo à compra das ações: “Não poderão ser adquiridas ações a uma cotação superior a 4,75 €”. A valorização das ações acabou por limitar o reforço da posição. No verão de 2021, as ações superaram os 4,5 euros, só tendo saído dessa fasquia de forma consistente em abril de 2022. Só havia autorização das Finanças para as compras até ao primeiro semestre de 2022, altura em que já era Fernando Medina o ministro.
Fernando Medina, ministro das Finanças, permitiu divulgação de documentos que mostram que Governo quis, em 2021, chegar aos 13% do capital dos CTT.
Governo queria 13%
Mas se pretendia reavaliar a aquisição da participação acionista quando chegasse aos 1,95%, a verdade é que a Parpública tinha recebido luz verde da UTAM para poder atingir os 13% – 19.500.000 ações, mais especificamente. Era essa a intenção do acionista estatal.
Quem o refere é o parecer da UTAM, datado de fevereiro de 2021, e só agora divulgado. O assunto do parecer é claro: “Aquisição pela Parpública, S.A. de participação qualificada de até 13% nos CTT – Correios de Portugal, S.A”.
No fim de 2020, o principal acionista era a sociedade de Manuel Champalimaud, a que era atribuída uma parcela de 13,122%. O Estado posicionar-se-ia, então, no topo da estrutura, podendo influenciar a gestão de João Bento.
Interesse público
Na documentação agora divulgada, estão inscritas as razões para que o Governo considerasse interesse público investir no capital dos CTT, que tinha deixado de contar com a presença estatal nos finais de 2013, quando todo o capital foi colocado em bolsa pelas mãos do Governo de Passos Coelho.
“A intervenção do Estado através de uma participação no capital social da empresa configura, assim, um meio para influenciar o mais adequado cumprimento dos índices de qualidade exigidos para o serviço postal, designadamente ao nível de regularidade e de prazos de entrega, assegurando também que estes serviços se encontram acessíveis em todos os Concelhos do país (incluindo as Regiões Autónomas)”, argumenta o Governo, citado no parecer da UTAM.
Não era segredo em 2020 que o Governo de António Costa queria assumir uma posição relevante nos CTT, algo que unia tanto o Executivo como o grupo parlamentar socialista, numa altura em que tentava ainda contar com os partidos da geringonça para aprovar os seus orçamentos do Estado (o Bloco de Esquerda já tinha deixado o apoio em 2020, mas o PCP ainda não), e ambos queriam a nacionalização da empresa de serviços postais.
O Governo apontava para a necessidade de ter influência nos CTT, o único com “capilaridade capaz de prestar os serviços postais de forma homogénea em todo o território nacional”. Mas não só: “considera-se que a manutenção ou alteração dos postos de atendimento da CTT ou da sua localização deve ser sujeita a uma apreciação que tenha em conta critérios de decisão diversos que permitam o cumprimento de regras de serviço público”.
CTT remetem-se ao silêncio
Contactada pelo Expresso, a assessoria de imprensa dos CTT não deu resposta, mantendo a empresa de serviços postais longe da polémica acionista.
Atualmente, a espanhola Indumenta é a principal acionista dos CTT, com 14,99% do capital, seguida da Manuel Champalimaud SA, com 13,73%. As restantes posições acima de 5% são atribuídas a fundos internacionais (GreenWood Builders Fund e Green Frog Investments). O Estado está muito aquém.
Foi o Jornal Económico que revelou, esta semana, ter sido um despacho governamental que deu indicação à Parpública de que teria de investir nos CTT, em contraponto àquilo que tinha sido feito cinco anos antes, quando o Governo de Pedro Passos Coelho decidiu privatizar a empresa de correios.
Um investimento modesto, mas que o jornal divulgou como sendo “secreto”, algo que levou os partidos de direita a contestar a operação e a pedir explicações ao Governo (incluindo a Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas, com a tutela dos CTT na altura). Pedro Nuno Santos, hoje secretário-geral do PS, remeteu a decisão para o Ministério das Finanças da altura, então liderado por João Leão.