Na recente conferência “O Futuro dos Media”, o Primeiro-Ministro Luís Montenegro revelou a tão aguardada panaceia para a crise que assola o jornalismo nacional: tranquilidade. Isso mesmo, caros leitores, o problema estrutural da comunicação social não está nas redações depauperadas ou na pressão constante de gigantes mediáticos monopolistas, mas sim na inquietação das notícias que tanto aflige a democracia. Chegámos, aparentemente, à era do jornalismo zen, onde o caos do mundo será tranquilamente reportado, sem grandes sobressaltos. Afinal, quem quer saber de investigações incômodas ou de confrontos políticos fervorosos quando podemos, todos, relaxar ao som de manchetes harmoniosas?
Montenegro apresentou uma série de 30 medidas, desenhadas, claro está, para resgatar o setor. Um pacote que promete combater a precariedade laboral dos jornalistas, mas que, curiosamente, deixa intactos os verdadeiros beneficiários deste modelo: os grandes grupos económicos que detêm o poder mediático. Sim, porque apoiar os pequenos jornais locais ou as rádios independentes seria um ato de verdadeira coragem política, e não podemos esperar que o governo se aventure por esses mares revoltos. Ao invés disso, as medidas parecem destinar-se a manter as águas bem calmas para os tubarões da comunicação, enquanto os pequenos meios continuam a navegar em botes salva-vidas com os remos partidos.
Entre as pérolas das novas políticas está a eliminação gradual da publicidade comercial na RTP até 2027. Uma ideia nobre, sem dúvida, mas que levanta questões. O que é, afinal, serviço público? Quem decide que um programa de inaugurações de rotundas é mais culturalmente relevante do que um documentário de investigação? O mais provável é que a promoção cultural prometida se limite a eventos simpáticos e inócuos, cuidadosamente alinhados com os interesses dos que têm o poder de decidir.
E como poderíamos esquecer o plano para adquirir a totalidade da Lusa, a agência de notícias semi-estatal? Uma jogada que cheira a centralização, mas que o governo vende como um esforço para garantir a independência do jornalismo. A única independência que parece garantida aqui é a do governo, que ficará livre para controlar a narrativa sem a interferência incómoda de uma Lusa “indisciplinada”. É o governo a comprar aquilo que já controla, uma medida genial de gestão de expectativas.
Mas a verdadeira obra-prima do plano é a promessa de incentivar a contratação de jornalistas com um salário mínimo de 1.120 euros. Uma oferta que, num setor onde a precariedade já é um modus operandi, soa mais a esmola do que a uma solução. Imagine-se: por 1.120 euros, espera-se que o jovem jornalista seja crítico, diligente e imparcial, enquanto navega um mar infestado de pressões políticas e económicas. Um verdadeiro herói do jornalismo tranquilo.
No entanto, para os grandes grupos mediáticos, há promessas mais suculentas. A reorganização e modernização da RTP, com saídas voluntárias e redução de publicidade, soa a um bilhete dourado para aqueles que há muito veem a televisão pública como uma competidora incômoda. Nada como enfraquecer o serviço público para abrir espaço a ofertas comerciais mais “dinâmicas”. E no meio disto tudo, os pequenos meios de comunicação? Bem, continuarão a depender das migalhas que restam, enquanto os autarcas regionais continuam a distribuir publicidade como forma de pagar favores.
O Plano de Ação para a Comunicação Social apresentado pode parecer, à primeira vista, um esforço nobre para melhorar o setor. No entanto, ao analisar mais de perto, percebemos que este barco está claramente desenhado para manter os grandes grupos mediáticos à tona, enquanto os pequenos vão remando furiosamente para não afundar. Quanto aos jornalistas, terão de aprender a fazer o seu trabalho de forma serena e tranquila, sem incomodar demasiado. Afinal, a tranquilidade é a nova arma secreta para salvar o jornalismo… ou pelo menos, para manter as águas calmas para quem já está no topo.