Em Portugal, onde a prudência e a diplomacia ainda dominam o discurso público, sobressaem duas figuras que dispensam cerimónias e pisam os terrenos da frontalidade sem receios ou meias palavras: Pinto da Costa, o eterno dirigente do Futebol Clube do Porto, e Alberto João Jardim, o outrora “imperador” da Madeira. Em comum, possuem a capacidade de incomodar tanto amigos como inimigos, de deixar jornalistas a suar e adversários sem resposta. Estes dois homens, cada qual no seu trono – um sobre o relvado, outro sobre o mar – são exemplos de que a frontalidade portuguesa não se encontra apenas nos livros de história.
Pinto da Costa, presidente do FC Porto há décadas e hoje honorário, tornou-se um mestre da estratégia futebolística e um artífice de polémicas – seja para o bem ou para o mal. Com um vocabulário afiado e uma visão que nunca se deixa turvar, sempre defendeu o seu clube com um fervor que beira o épico. Entre pequenas ironias e indiretas devastadoras, o “senhor Dragão” desliza pelas conferências de imprensa como se fossem campos minados, lançando explosões verbais que dão que falar e que rivalizam com qualquer derby aceso. Para ele, a rivalidade com o Benfica, o Sporting e, em certos momentos, o próprio país continental, é mais do que uma questão desportiva: é quase uma questão de honra. Sem nunca se esconder por trás da linguagem diplomática, Pinto da Costa pode, numa única frase, enaltecer o mérito do FC Porto e humilhar os adversários, tudo numa dicção impecável e uma fleuma inquebrantável.
Por outro lado, Alberto João Jardim, o ex-presidente do Governo Regional da Madeira, não se deixou jamais acanhar pela distância física do “contenente”. Quando ocupava o poder, utilizava a sua ironia para enfiar o dedo na ferida das políticas nacionais, fazendo tremer Lisboa. Jardim, em tempos, foi o mestre da oratória que dispensava eufemismos e que falava a uma plateia ora enraivecida, ora fascinada, mas sempre atenta. Com o seu inconfundível sotaque madeirense e a língua afiada, tornou-se num ícone da política portuguesa, mantendo durante décadas uma posição quase intocável. Não havia jornal, estação televisiva ou estação de rádio que não estivesse atenta ao próximo comentário incendiário do líder madeirense. Ele oferecia entretenimento sem precedentes, uma mistura de crítica e espetáculo que o tornou numa das figuras mais polarizadoras e carismáticas da nossa democracia.
De vez em quando, até parecia que Pinto da Costa e Alberto João Jardim eram duas metades de um mesmo todo, unidas pela mesma ousadia de dizer o que lhes ia na alma, sem medo das consequências. As polémicas com que ambos brindaram o público português foram tão frequentes que poderíamos perguntar: era coincidência ou tinham uma missão partilhada? Quando se observa a carreira destes dois homens, é impossível ignorar o facto de que, mais do que provocarem os rivais, os seus discursos fervorosos contribuíram para moldar a forma como o país vê o futebol e a política. Tanto Pinto da Costa como Jardim desafiaram as convenções e, na sua própria maneira, ajudaram a redefinir a cultura de expressão pública em Portugal.
Hoje, no entanto, o palco deles tornou-se mais silencioso. Pinto da Costa continua à frente do FC Porto num cadeirão honorário depois de perder as últimas eleições, mas os anos já não lhe permitem o mesmo fulgor combativo. Alberto João Jardim, por sua vez, passou o testemunho na Madeira, deixando para trás um legado complexo e um estilo oratório que poucos, se é que algum, se atreverão a imitar. Mas mesmo na sua ausência ou numa presença mais contida, é evidente que o país sente falta do toque de sátira e da força arrasadora que só estes dois senhores souberam trazer. Quem sabe o que o futuro reservará, mas uma coisa é certa: Portugal terá sempre uma dívida para com estes dois mestres da ironia, esses homens que, sem papas na língua, disseram tudo o que muitos pensavam mas jamais se atreveram a proferir em voz alta.