O Programa do PS propõe mecanismo para fiscalizar escutas telefónicas, tentando, desta forma, abrir caminho para uma reforma na Justiça. Uma ideia que deixou lentamente de ser tabu para ser discutida mas, até agora, sem consequências práticas. Nos últimos 12 meses, o Partido Socialista (PS), à boleia das difíceis justificações para as escutas efectuadas a António Costa ou a João Galamba, ou por causa do arrastamento do ‘megaprocesso’ sobre José Sócrates, foi dizendo ao PSD e ao Governo que estava preparado para convergir numa verdadeira reforma do sector, mas de boas intenções “está o inferno cheio” e, por isso, este tema tem vindo a ser empurrado “com a barriga”.
Para o PS, a confiança nas instituições da Justiça é uma condição essencial para o sucesso de uma Democracia moderna e de qualidade. A separação de poderes, a independência da magistratura judicial, a autonomia do Ministério Público são pilares do Estado de Direito democrático. O respeito por estes princípios não dispensa – antes pelo contrário, impõe ao poder legislativo e ao poder executivo o cumprimento da sua função constitucional de desenvolver políticas públicas que garantam um serviço público de Justiça mais eficiente, mais acessível e mais transparente, bem como a efetivação da responsabilidade de todos os atores do sistema.
Por isso, o programa do PS para a área da Justiça propõe a adoção de um “mecanismo institucional” com membros de diferentes organismos para fiscalizar as escutas telefónicas em processos judiciais. No fundo, as medidas apresentadas pelos socialistas pretendem, essencialmente, a aceleração de processos e regular o excesso de recursos apresentados, indo buscar inspiração, embora sem nunca o referir, às muitas questões levantadas sobre o processo da Operação Marquês e de José Sócrates, tendo em conta que “a Constituição assegura a todos o direito à tutela judicial efetiva, o que inclui o acesso ao Direito e aos tribunais, ao segredo de justiça, a obter uma decisão em prazo razoável e mediante um processo equitativo”.
Segundo o documento apresentado este sábado pelo secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, este mecanismo institucional contaria com elementos indicados pelo Conselho Superior da Magistratura, pelo Conselho Superior do Ministério Público e pela Ordem dos Advogados, com vista a “assegurar a avaliação retrospetiva, quantitativa e qualitativa, e a monitorização da realização e conservação, e eventual divulgação ilícita do conteúdo de escutas telefónicas e de outros meios de obtenção de prova invasivos da esfera reservada privada”.
A proposta é uma das novidades socialistas relativamente ao capítulo da Justiça no programa do PS delineado para as eleições de 2024 e surge depois da polémica criada em torno das escutas realizadas a Jorge Galamba ou António Costa no âmbito do processo Influencer.
Entre as medidas preconizadas para as legislativas antecipadas de 18 de maio está também uma atenção especial para a fase de instrução e para eventuais pretextos que visem retardar a tramitação dos processos, na linha das preocupações já expressas por organismos do setor, como fez recentemente um grupo de trabalho constituído pelo Conselho Superior da Magistratura para estudar os megaprocessos.
“Avaliar formas de assegurar a função própria de cada fase processual, não desvirtuando a sua função nem prolongando a sua duração de forma ineficiente, em particular no que respeita à fase de instrução”, lê-se no programa.
Outra preocupação identificadas por esse recente documento surge vertida nas propostas socialistas, como uma reavaliação do regime de recursos, nas quais o PS defende que devem ser analisados os recursos com efeito suspensivo nos processos e os que devem passar a ter apenas um caráter devolutivo. Ou seja, um recurso sem bloquear a evolução do processo, “de forma a assegurar a tramitação célere”.
Por outro lado, o programa socialista demonstra também uma preocupação com o arrastamento dos prazos em alguns inquéritos do Ministério Público e os danos que a duração dos processos também causa na imagem dos visados. Nesse sentido, quer dar meios ao titular da ação penal para “o cumprimento dos prazos processuais de duração do inquérito, de forma a acautelar os direitos e garantias dos sujeitos processuais”.
Paralelamente, o PS recupera outras propostas do anterior programa eleitoral — agora alvo de uma atualização —, nomeadamente a revisão dos prazos judiciais de acordo com a complexidade dos processos, a eliminação de atos processuais que tenham “natureza meramente dilatória” e a análise das regras sobre conexão processual para evitar a formação de megaprocessos.
Novos tribunais administrativos
Sublinhando a importância da justiça enquanto área “merecedora de construção de convergências”, o PS debruça-se ainda sobre a jurisdição administrativa, ao defender a criação de novos tribunais administrativos de primeira instância nas zonas com maior volume de processos.
Outra medida passa pelo reforço dos mecanismos de arbitragem institucionalizada em vez dos chamados tribunais ad-hoc, cuja atividade “deve ser regulamentada e dotada de maior transparência e sindicabilidade”.
O programa aposta ainda num maior apoio às vítimas de crimes, através do estabelecimento de parcerias com entidades públicas e privadas, e na requalificação das prisões e na valorização dos recursos humanos, procurando acabar com a sobrelotação prisional e promover a reinserção social.