Apesar da transição energética em curso, especialistas e representantes da indústria petrolífera afirmam que o petróleo continuará a ser um recurso “crítico e insubstituível” nas próximas décadas. Ambientalistas contestam a visão e alertam para os riscos climáticos.
O petróleo vai manter-se como um pilar da matriz energética mundial durante as próximas décadas, segundo afirmações recentes de vários especialistas do sector e de representantes de países produtores. A posição foi reforçada esta semana durante a Conferência Internacional de Energia, realizada em Viena, onde se discutiu o futuro dos combustíveis fósseis e a velocidade da transição energética.
De acordo com Fatih Birol, director-executivo da Agência Internacional de Energia (AIE), «mesmo com o crescimento das energias renováveis, a procura por petróleo não desaparecerá de forma abrupta». Já o secretário-geral da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), Haitham Al Ghais, afirmou que «o mundo deve ser pragmático» e reconhecer que «sem investimentos contínuos no sector petrolífero, o fornecimento global de energia será ameaçado».
Os países exportadores de petróleo, liderados pela Arábia Saudita e pelo Iraque, defendem que o petróleo continuará a representar uma fatia significativa do consumo energético mundial até, pelo menos, 2045. Um relatório recente da OPEP projeta que a procura global por petróleo aumente até aos 116 milhões de barris por dia nas próximas duas décadas, impulsionada pelo crescimento dos países em desenvolvimento.
Críticas ambientais e riscos climáticos Estas previsões têm gerado fortes críticas por parte de organizações ambientalistas e cientistas do clima. Para a Greenpeace, insistir na centralidade do petróleo é «uma fuga à responsabilidade climática» e «uma tentativa de prolongar lucros à custa do planeta».
A climatologista portuguesa Ana Cristina Fonseca, investigadora do Instituto Dom Luiz da Universidade de Lisboa, lembra que «os impactos do aquecimento global já são visíveis e acelerar a transição para fontes limpas não é apenas uma escolha, é uma obrigação».
Segundo a investigadora, manter a dependência de petróleo compromete as metas do Acordo de Paris, que visam limitar o aumento da temperatura global a 1,5 graus Celsius.
Do lado das Nações Unidas, António Guterres tem sido uma das vozes mais firmes contra a expansão dos combustíveis fósseis. «Estamos a caminhar para um desastre climático com o pé no acelerador», alertou o secretário-geral no passado mês de Maio, apelando à eliminação progressiva dos subsídios aos combustíveis fósseis.
Uma transição energética em contradição O debate revela uma divisão crescente entre os interesses económicos dos países produtores e as exigências ambientais de um planeta em sobreaquecimento. Enquanto algumas nações reforçam a aposta em energias limpas e em tecnologias de captura de carbono, outras continuam a investir em novas explorações petrolíferas, argumentando que a segurança energética depende da diversidade de fontes.
Especialistas em políticas energéticas apontam para a necessidade de planeamento rigoroso e equilibrado. «O erro não está em reconhecer o papel ainda relevante do petróleo, mas em usá-lo como desculpa para atrasar a mudança», afirma João Moura e Silva, economista da área da energia na Universidade Nova de Lisboa.
O petróleo continua no centro do debate energético mundial, entre realismo económico e urgência ambiental. Enquanto o sector projeta décadas de continuidade, os defensores do clima lembram que o tempo para agir está a esgotar-se. A próxima cimeira do clima das Nações Unidas, marcada para Novembro em Baku, poderá clarificar se o mundo está disposto a compromissos mais exigentes ou a prolongar o actual impasse.