No jornal ORegiões, temos como missão dar voz ao que se passa no terreno — nas vilas, nas cidades do interior, nas freguesias onde a política se mede por resultados concretos e pela proximidade às pessoas. E é com esse olhar, independente e atento, que observamos a crescente onda de afastamentos de autarcas do Partido Socialista, um fenómeno que merece reflexão séria e serena.
Nas últimas semanas, tornaram-se públicos diversos casos de autarcas eleitos pelo PS que optaram por deixar o partido e seguir caminho como independentes. Não se trata de um gesto de ruptura leviano, nem de meros movimentos tácticos. Em muitos casos, falamos de pessoas com décadas de serviço às comunidades e longa militância partidária. São decisões pensadas, difíceis, mas que espelham um desconforto cada vez mais generalizado.
É preciso dizer, com clareza, que o Partido Socialista tem desempenhado um papel essencial na construção da democracia portuguesa. Ao longo de quase meio século, foi responsável por avanços sociais, estabilidade institucional e modernização do país. Mas nenhum partido está imune ao desgaste. E nenhum partido sobrevive politicamente se ignorar o pulsar das suas bases.
A sucessão de casos judiciais envolvendo figuras ligadas ao PS, mesmo sem condenações transitadas, abalou a confiança da sociedade civil. A resposta do partido, centrada muitas vezes em proteger a imagem em vez de enfrentar os problemas de frente, gerou afastamento e silêncio onde se esperava liderança e ética. Nas estruturas locais, esse sentimento tem-se agravado com a sensação de desvalorização, desarticulação e centralismo decisório.
Não cabe a este jornal fazer julgamentos partidários. O nosso compromisso é com a transparência, o pluralismo e o escrutínio democrático. Mas cabe-nos, sim, dar visibilidade a um fenómeno que já deixou de ser pontual: a desvinculação de quadros locais que se sentem desligados de um PS que, nas suas palavras, “já não escuta”.
O país real — aquele onde as decisões políticas se traduzem em acessibilidades, apoio social, habitação, saúde e emprego — exige partidos conectados com o terreno. E o PS, como partido estruturante do regime, tem a responsabilidade de se reencontrar com esse país, de dentro para fora, com humildade, abertura e renovação verdadeira.
Neste momento, o Partido Socialista está perante uma encruzilhada. Ou corrige o rumo e valoriza quem está próximo das populações, ou continuará a perder quadros e credibilidade, alimentando o descrédito generalizado da política. Um partido forte não é o que concentra poder, mas o que o distribui e partilha. Essa tem sido, aliás, a essência da boa governação local — e talvez seja aí que o PS possa reencontrar-se.
O nosso papel enquanto jornal e na observância regional é simples: informar com independência, dar espaço ao debate plural e garantir que a política nacional não se esquece de onde tudo começa — nas regiões.