Há uma espécie peculiar de político que, não contente com a gestão da coisa pública, sente uma comichão irresistível para transformar-se em curador cultural. Não lhe basta decidir sobre impostos ou gerir infraestruturas; o destino reservou-lhe a nobre missão de determinar o que devemos apreciar nas paredes dos museus, o que as crianças devem aprender nas escolas, ou aquilo que os nossos ouvidos devem escutar na rádio pública.
É fascinante observar como certos senhores de gravata, cujo conhecimento artístico se limita frequentemente a distinguir o quadrado do rectângulo, se sentem subitamente investidos de poderes supremos para julgar o mérito cultural. Lembremo-nos do caso exemplar do senhor Sousa Lara, antigo Subsecretário de Estado da Cultura, que em 1992 vetou “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” do concurso literário europeu por considerar a obra “ofensiva para os católicos”. Um funcionário público transformado em teólogo, capaz de interpretar os sentimentos de milhões de fiéis e, de passagem, censurar José Saramago, um escritor que viria a receber o Prémio Nobel quatro anos depois.
Do outro lado do Atlântico, temos o espectáculo do senhor Trump a tentar interferir nas exposições do Instituto Smithsonian, sugerindo que certas verdades históricas são inconvenientes demais para serem exibidas. Como se a História fosse um bufete onde podemos escolher apenas os pratos que nos agradam ao paladar ideológico.
Perante estes episódios, somos levados a crer que a solução para os grandes problemas culturais da humanidade estaria, afinal, no gabinete ministerial mais próximo. Bastaria perguntar ao assessor do ministro-adjunto do secretário de Estado qual a melhor forma de interpretar Picasso, ou que obras musicais deveriam ser tocadas nas salas de concerto.
Os museus, coitados, andaram séculos a acumular conhecimento especializado, a estudar contextos históricos, a desenvolver métodos de investigação, quando a solução era tão simples: bastava telefonar ao presidente da junta de freguesia mais próxima para obter a interpretação definitiva sobre arte contemporânea.
Mas eis que, surpresa das surpresas, descobrimos que talvez a cultura, a ciência e a educação funcionem melhor quando geridas por pessoas que dedicaram a vida a compreendê-las. Que talvez os especialistas em física quântica saibam mais sobre física quântica do que o deputado que confunde átomos com Adam Smith. Que possivelmente os conservadores de museu, com décadas de estudo, estejam mais habilitados a organizar exposições do que alguém cujo contacto com a arte se limita a apreciar o brasão do seu clube de futebol.
No fim, resta-nos uma conclusão revolucionária: deixar que a política defina políticas culturais, sim; permitir que defina conteúdos culturais, não. Uma distinção subtil que parece escapar a certos políticos, mas que faz toda a diferença entre uma sociedade plural e uma onde a verdade é aquela que melhor serve os interesses de quem temporariamente ocupa o poder.
E assim, com esta descoberta espantosa, talvez possamos caminhar para um mundo onde os museus sejam espaços de conhecimento e não extensões partidárias, onde as escolas ensinem a pensar em vez de repetir, e onde a rádio pública não seja o megafone do ministro do momento.
Que ideia revolucionária: deixar que os especialistas sejam especialistas.