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Casamentos: “Registo” já ganha ao Católico e até sobem. Noivos estão mais velhos

Entre 2021 e 2023, os casamentos civis em Portugal consolidaram uma tendência de crescimento sustentado, enquanto os casamentos religiosos, particularmente os católicos, registaram um declínio acentuado. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmam esta mudança progressiva no panorama matrimonial português, revelando alterações nos hábitos, nas crenças e nas escolhas de vida dos cidadãos.

Em 2021, realizaram-se 29 057 casamentos entre pessoas de sexo oposto. Desses, 19 395
foram civis, o que correspondia a cerca de dois terços do total. No mesmo ano, 9 662
casamentos foram celebrados segundo o rito católico, representando 26,7 por cento. Já em
2022, o número total de casamentos subiu para 36 952, mantendo-se a proporção entre civis e religiosos semelhante à do ano anterior. No entanto, em 2023, essa proporção alterou-se significativamente: dos 36 980 casamentos realizados, 28 361 foram civis, o que equivale a cerca de 77 por cento, enquanto apenas 7 094 foram católicos, um valor que representa menos de um quinto do total.

Além do crescimento quantitativo, os casamentos civis têm vindo a diversificar-se. O aumento dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo é um dos factores que explica parte dessa subida. Em 2021 foram celebrados 549 casamentos entre pessoas do mesmo sexo; em 2022, esse número subiu para 801 e, em 2023, atingiu os 1 009. Tendo em conta que o casamento religioso não é reconhecido pela Igreja para casais do mesmo sexo, estas uniões ocorrem exclusivamente pelo civil, contribuindo para o peso crescente das cerimónias laicas no total anual.

A idade média ao primeiro casamento também tem vindo a subir. Em 2022, os homens
casavam-se, em média, aos 35,1 anos, e as mulheres aos 33,7. O adiamento do casamento para idades mais tardias tem sido associado à instabilidade económica, à prolongação da permanência no sistema de ensino e à redefinição das prioridades individuais. Neste contexto, muitos casais optam por formalizações mais simples e menos onerosas, como o casamento civil, frequentemente acompanhado de celebrações menos convencionais.

Vários especialistas têm interpretado esta tendência como reflexo de um processo mais
profundo de secularização da sociedade portuguesa. A socióloga Cristina Santos, investigadora na área da família e religião, aponta que «a perda de influência da Igreja Católica no quotidiano das pessoas é um fenómeno progressivo, mas contínuo». Segundo a investigadora, «as novas gerações valorizam a liberdade de escolha, a igualdade de género e a diversidade de formas de família, o que torna a cerimónia civil uma opção mais ajustada aos seus valores».

Também o antropólogo Jorge Fernandes, da Universidade do Minho, destaca o carácter
simbólico da mudança: «Durante décadas, o casamento católico era praticamente a única
forma socialmente reconhecida de unir um casal. Hoje, o casamento civil deixou de ser uma alternativa para se tornar, em muitos casos, a primeira escolha». Para o académico, este movimento é comparável ao declínio da prática religiosa no geral: «Assim como menos pessoas frequentam a missa, menos pessoas consideram necessária uma bênção religiosa para legitimar a sua relação».

As razões para o afastamento das cerimónias religiosas são múltiplas. A maior autonomia
individual, a diversidade crescente de convicções, o acesso facilitado ao casamento civil e uma relação cada vez mais distante com a instituição religiosa são alguns dos fatores mais
apontados. A estes, junta-se uma mudança cultural mais ampla: a ideia de que o amor e o
compromisso não necessitam de validação por parte de uma entidade espiritual ou eclesiástica.

Contudo, esta tendência não se verifica de forma homogénea em todo o território nacional. As regiões urbanas, nomeadamente Lisboa, Porto e Algarve, concentram a maioria dos
casamentos civis, fruto de uma maior diversidade cultural, presença de populações mais jovens e maior exposição a valores laicos. Estas zonas registam também percentagens superiores de casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Em sentido inverso, regiões como o Norte interior, o Alentejo profundo ou a Região Autónoma dos Açores apresentam ainda uma maior proporção de casamentos religiosos, reflexo de comunidades mais envelhecidas, práticas sociais mais conservadoras e uma ligação tradicional mais forte à Igreja Católica.

Segundo dados de 2023, Lisboa lidera em número absoluto de casamentos, com mais de 6 000 cerimónias celebradas, enquanto distritos como Portalegre e Bragança registaram menos de 500. O mesmo padrão geográfico se verifica no tipo de cerimónia escolhida: nos grandes centros urbanos, mais de 80 por cento dos casamentos são civis, ao passo que em algumas zonas rurais do país, a percentagem de casamentos religiosos ainda ultrapassa os 30 por cento.

O impacto desta transformação é visível não apenas nos números, mas também nos rituais
sociais. Muitos casais optam hoje por cerimónias simbólicas fora de qualquer enquadramento religioso ou institucional, seja em praias, quintas ou jardins, com celebrações personalizadas, conduzidas por amigos ou celebrantes civis.
A confirmar-se esta trajetória, o futuro aponta para um país onde o casamento religioso será cada vez mais minoritário. Embora continue a ter importância para parte da população, sobretudo nas zonas mais conservadoras ou entre os mais idosos, a tendência é clara: o casamento civil é hoje a forma dominante de união em Portugal — não apenas em termos estatísticos, mas também culturais e simbólicos.

A transformação não ocorre de forma homogénea, mas o sentido da mudança é evidente. A
união civil deixou de ser apenas uma formalidade legal e passou a representar, para muitos, uma escolha consciente, alinhada com os valores de liberdade, igualdade e pluralismo. Uma mudança de mentalidade que espelha, com nitidez, a evolução da sociedade portuguesa.

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