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O Nacionalismo como raiz viva da identidade europeia

Falar em nacionalismo é hoje, para muitos, acender um sinal de alerta. A palavra carrega sobre si décadas de associações negativas, regimes autoritários, xenofobia, extremismo político. Mas será que é justo reduzir toda a expressão nacionalista a uma ameaça? Ou será que se estão a confundir distorções históricas com a própria essência da ideia de nação?

A tradição conservadora sempre viu na nação um ligar de pertença, não um instrumento de exclusão. Para além da retórica ideológica, a verdade é que nacionalismo, quando saudável nasce de algo profundamente humano, o desejo de proteger ao que nos forma e nos orienta. Surge da ligação afectiva com a terra, a cultura, os símbolos e a história que herdámos. É, nesse sentido, mais um gesto de cuidado do que um gesto de hostilidade. Um compromisso com a continuidade do que nos antecede e do que, idealmente, queremos deixar aos que virão depois.

Confundir nacionalismo com fascismo é, no mínimo, intelectualmente desonesto. Muitos movimentos democráticos de matriz progressista fazem uso da linguagem nacionalista sem que isso represente qualquer relação com autoritarismo. Veja-se o Sinn Féin na Irlanda, o Partido Nacional Escocês ou mesmo os soberanistas catalães e galegos. Identificam-se como nacionalistas e todos defendem bandeiras associadas à autodeterminação, à justiça territorial e à preservação cultural. Se esses são aceites com naturalidade, por que persiste o preconceito quando o nacionalismo é defendido por vozes conservadoras?

Talvez a resposta esteja no facto de que o conservadorismo não disfarça o seu vínculo com a tradição. Enquanto muitos movimentos progressistas tentam reformular o nacionalismo a partir de uma linguagem de emancipação, o pensamento conservador encara a nação como herança, algo que não se constrói do zero, mas se recebe, se honra e se transmite. Há, nisso, uma diferença crucial de perspectiva. Para o conservador, o nacionalismo não é um projecto ideológico abstrato, mas uma realidade cultural concreta que se expressa na forma de vida, nos ritos, nos afectos e nos compromissos colectivos que moldam a existência comum.

Esta visão encontra eco numa leitura filosófica com símbolos e rituais que ligam o indivíduo à ascentralidade e ao tempo em que a comunidade era o chão da identidade pessoal. Reconhece que pertencemos a algo maior, que a nossa identidade brota do laço com uma tradição e com alma partilhada de uma comunidade ascentral. Nacionalismo, neste contexto, é reconhecimento, a ideia de que só somos inteiros quando sabemos a que mundo pertencemos.

É claro que, como toda a ideia com impacto, o nacionalismo pode ser distorcido. E foi assim que, ao longo do século XX vimos formas de nacionalismo serem transformadas em doutrina de exclusão, superioridade racial e totalitarismo. Mas é preciso discernir. O problema não está na ideia de nação em si, mas na sua instrumentalização ideológica. O mesmo pode ser dito do socialismo, do liberalismo ou até da religião. Toda a tradição pode ser corrompida quando perde a sua âncora ética. Por isso, a tarefa de hoje não é descartar o nacionalismo, mas resgatá-lo e devolvê-lo à sua função original. Ser um laço de responsabilidade entre o indivíduo e a comunidade. E é precisamente esse laço que parece faltar na Europa de hoje. A promessa de uma unidade europeia baseada apenas em princípios administrativos e tecnocráticos, embora tenha garantido décadas de paz aparente também gerou efeitos colaterais profundos. A erosão das identidades nacionais, a desvalorização das línguas e culturas locais, a tentativa de homogeneização simbólica. Em nome da integração, muitos europeus sentem que perderam algo essencial. A capacidade de se reconhecerem na sua própria história.

O nacionalismo conservador, longe de ser um retrocesso, pode ser uma resposta a essa crise de enraizamento. Afirma que a Europa deve continuar a ser Europa, não apenas uma entidade geopolítica, mas uma civilização com raízes profundas, com mitos fundadores, com línguas, liturgias e passagens culturais que não podem ser substituídas sem custo.

Esse nacionalismo é, portanto, um acto de resistência contra o niilismo cultural que ameaça dissolver os fundamentos espirituais da civilização ocidental. Defende a família como núcleo de transmissão de valores, protege os vínculos comunitários, reforça que há uma ordem natural a ser respeitada e que o progresso não pode significar apagar tudo o que veio antes. É um nacionalismo que pode dialogar na medida em que também reconhece o papel da memória, do enraizamento simbólico e da comunidade na formação do cidadão.

É preciso dizer com clareza e sem medos. O nacionalismo não é xenófobo. Reconhece a dignidade dos povos e a importância do intercâmbio entre culturas. Mas também sustenta que a cooperação só é verdadeira quando feita entre iguais e que não há igualdade possível quando uma cultura renuncia a si mesma em nome de uma suposta neutralidade global. A verdadeira diversidade não nasce da uniformização, mas do encontro entre diferenças enraizadas.

Esta crítica ao globalismo, entendido como projecto de dissolução das fronteiras simbólicas e políticas, não significa a recusa do mundo, mas a defesa de um mundo com múltiplas vozes. Um mundo em que cada povo possa continuar a ser ele mesmo, contribuindo com a sua visão, a sua arte, a sua sabedoria. O nacionalismo conservador, quando bem compreendido, é a base para este tipo de pluralismo profundo e oferece um antídoto contra a lógica apátrida que vê os seres humanos apenas como consumidores ou estatísticas.

O nacionalismo ensina que a identidade é forjada com esforço, disciplina e consciência, lembrando que esse esforço nunca é solitário. Somos moldados pelo olhar, pela escuta e pelo reconhecimento dos outros. Juntas, estas ideias mostram que pertença e transcendência não se opõem. São os dois lados da mesma moeda.

O nacionalismo conservador, quando inspirado por esta visão ética, torna-se mais do que uma doutrina política. Torna-se um compromisso espiritual com a continuidade da vida comum. Por isso, é urgente repensar o lugar do nacionalismo no debate público. Desvinculado dos estigmas do passado e purificado das deturpações ideológicas pode ser uma ferramenta poderosa para reconstruir a Europa em tempos de dispersão. A alternativa, como bem sabem os que estudam as crises civilizacionais, não é a paz perpétua, mas o vazio identitário. E o vazio é preenchido, muitas vezes, por formas de poder muito mais perigosas do que o apego a uma tradição.

É possível viver sem símbolos, sem mitos, sem pertença? Um continente que abandona as suas raízes não se torna mais tolerante, mas apenas mais vulnerável. Em nome da paz, da diversidade e da liberdade, muitos estão dispostos a apagar os traços mais profundos da própria história. Mas a paz sem identidade é frágil. A diversidade sem raízes é ruidosa e confusa. E a liberdade sem memória é apenas uma ilusão passageira.

Recuperar o nacionalismo como defesa da Europa não é um acto de regressão, mas de coragem. É recusar o conformismo de uma cultura que desistiu de si mesma. É afirmar que ainda há algo a preservar, algo a transmitir, algo que vale a pena ser chamado de “nosso”. É, em última instância, um gesto de amor. Amor à casa comum, amor ao que nos formou, amor ao futuro que desejamos legar.

Por isso, o conservadorismo europeu deve assumir a palavra “nacionalismo”, reabilitá-la com lucidez e moderação. Deve resgatar no nacionalismo a centelha de responsabilidade que nos liga ao passado e nos convoca ao cuidado com o presente. Deve torná-la parte de um projecto maior. Um projecto em que a Europa se reencontre, não por nostalgia, mas por fidelidade ao que é mais profundo na sua vocação civilizacional.

É, nesse sentido, que o nacionalismo se revela não como ameaça, mas como oportunidade. Não como desestabilização, mas como consciência. Não como ideologia, mas como ética. Uma ética do cuidado com a própria história, com a própria terra, com a própria gente. Uma ética que entende que ninguém se constrói sozinho e que preservar o que somos é também um modo de servir o outro.

Esta visão não exige unanimidade, nem pretende impor um modelo único. Apenas convida à escuta, ao reencontro, ao enraizamento. Convida-nos a lembrar que a Europa não nasceu de abstracções, mas de vidas concretas, de comunidades vivas, de tradições que resistiram ao tempo.

Se queremos uma Europa livre, forte e plural, precisamos de começar por respeitar aquilo que a torna única. E isso começa por reconhecer, sem medos, que há valor na ideia de nação. Que há sabedoria na memória. Que há beleza nas fronteiras. E que cuidar disso tudo não é exclusivismo, é simplesmente humanidade.

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Mario Diniz
Mario Diniz
Gestor de empresas

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