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Travão aos tarefeiros não resolve falta de médicos no SNS

A opinião é unânime: as regras que o Ministério da Saúde está a preparar para as prestações de serviço não resolvem o problema de base da falta de médicos no SNS. Sindicatos e Ordem dos Médicos defendem que o Governo deve apostar na melhoria das condições de trabalho e salariais para levar mais clínicos a assinar contrato com as instituições públicas. Segundo o Expresso, o ministério liderado por Ana Paula Martins já tem preparado um diploma com várias incompatibilidades, mas deixa em aberto a existência de situações excepcionais.

O Governo quer restringir o acesso dos médicos ao trabalho em regime de prestações de serviços (vulgarmente designado como trabalho à tarefa) no SNS. A intenção do Ministério da Saúde é atuar tanto junto dos médicos do quadro como dos recém-especialistas, avança esta sexta-feira o semanário Expresso, que teve acesso à versão preliminar do projeto de decreto-lei que está a ser preparado, para ser apresentado ao Conselho de Ministros em setembro.

Desta forma, os médicos que se desvincularem do SNS não poderão ser contratados para trabalharem em regime de prestação de serviços durante os três anos seguintes à saída do SNS seja por motivo de “denúncia, revogação por mútuo acordo, rescisão unilateral ou aposentação antecipada”.

Também não poderão trabalhar à tarefa os médicos que se tenham recusado a fazer mais horas extra do que as legalmente exigidas (ou seja, 150 ou 250 horas extraordinárias por ano) ou que estejam dispensados de fazer urgência (um benefício que se aplica a partir dos 55 anos de idade).

No entanto, o governo também quer intervir a montante, restringindo a fuga dos médicos recém-especialistas, ou seja, que acabaram a formação na especialidade. Os jovens médicos que não se apresentem a “concurso de colocação no SNS”, ou que recusem a colocação num determinado serviço depois de terem sido selecionados, não poderão trabalhar no SNS em regime de prestação de serviços. De fora ficam os médicos que optarem por não escolher nenhuma especialidade — os chamados médicos indiferenciados — que poderão continuar a prestar serviços em regime de tarefa nas urgências.

No entanto, o diploma que está a ser preparado pelo Ministério da Saúde admite que nenhuma das incompatibilidades possa ser aplicada em caso de “autorização excecional” e em situações de imperiosa necessidade. Um subterfúgio legislativo que, na realidade, já hoje é usado para muitas Unidades Locais de Saúde (ULS) de forma a conseguirem garantir o preenchimento das escalas nas urgências hospitalares perante a falta de médicos nos quadros.

A dependência dos hospitais dos médicos tarefeiros tem vindo a aumentar ao longo dos anos, tendo atingido um recorde no ano passado. Em 2024, a despesa ultrapassou, pela primeira vez, a barreira dos 200 milhões de euros — ascendeu aos 213,3 milhões de euros, segundo dados da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Trata-se de uma subida de 11% em relação aos 191,8 milhões gastos com médicos tarefeiros em 2023. A subida da despesa nesta rubrica tem sido, aliás, galopante. Em 2022, os gastos com médicos prestadores de serviços estavam nos 160,5 milhões de euros.

Para além do regime de incompatibilidades que está a ser preparado (e que vai obrigar os médicos que queiram trabalhar à tarefa a assinar uma declaração “sob compromisso de honra”), o Governo também se prepara para aprovar uma portaria que coloca um teto máximo no valor/hora a pagar aos tarefeiros, com o objetivo de não permitir que as ULS ofereçam valores por trabalho em serviços de urgência que podem chegar a ser quatro a cinco vezes superiores ao oferecido aos médicos do quadro e que chegam a atingir a 150 euros por hora.

Governo está a “correr” com os médicos

Os sindicatos e a Ordem dos Médicos dizem que o diploma penaliza os médicos e alertam para “efeitos perversos” a curto prazo. Para a Federação Nacional dos Médicos, as incompatibilidades que o Ministério da Saúde quer impor poderão até afastar ainda mais médicos do SNS, desviando-os para o privado.

“Os médicos que saem vão continuar a sair e vão alimentar ainda mais o setor privado, provavelmente é isso que o Governo quer”, diz Joana Bordalo e Sá, que considera as restrições no trabalho à tarefa “uma manobra de castigo aplicada aos médicos”.

“Este não é o verdadeiro problema do SNS nem esta é solução. A solução é dar condições aos médicos e reter médicos no Serviço Nacional de Saúde”, defende a líder do maior sindicato médico do país. A presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM) não acredita na eficácia desta regulamentação.

A dirigente sindical acredita que vai ficar tudo na mesma. As exceções acabarão por tornar-se regra porque só a melhoria dos salários e das condições de trabalho dos médicos podem verdadeiramente fixá-los no serviço público.

Já o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos diz que a intenção na génese do decreto-lei é “positiva”, no sentido em que “reduz a precariedade e pode vir a aumentar o número os contratos de trabalho” no SNS. “Parece haver uma medida estrutural no sentido de alterar o rumo das urgências, de forte dependência de prestadores de serviços”, sublinha Nuno Rodrigues.

No entanto, o responsável sindical alerta que o Governo decidiu seguir pela “via da penalização” em vez de optar pelos incentivos e diz não compreender por que razão os médicos que pertencem aos quadros (e fazem também trabalho à tarefa) são igualmente penalizados. “Se a ideia é penalizar quem está no SNS, estamos frontalmente contra”, diz.

Nuno Rodrigues avisa também que o regime de incompatibilidades que está a ser preparado “pode ter efeitos perversos a curto porque pode criar buracos nas urgências”, afetando mais as zonas com maior carência de profissionais, como a região Sul. “O efeito deste diploma vai ser desigual, pode afetar mais negativamente zonas como Lisboa e o Algarve”, vinca.

Carlos Cortes, o bastonário da Ordem dos Médicos, fala numa medida que vai dar um “péssimo resultado”. O bastonário diz que este projeto de decreto-lei é uma punição aos prestadores de serviços e considera que sem uma valorização das carreiras dos médicos, eles não vão querer ficar no Serviço Nacional de Saúde.

Carlos Cortes acredita mesmo que o serviço público de saúde está perante uma catástrofe anunciada, até porque faltam profissionais. A opinião é partilhada pela Federação Nacional dos Médicos (FNAM), que acredita que esta medida não vai fixar ninguém.

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