A guerra chegou, instalou-se no sofá da geopolítica global e recusa-se terminantemente a sair para deixar passar os bombeiros, os talheres ou a sanidade mental. É um parente pobre e incómodo que veio jantar e, pasme-se, trouxe a mala de viagem e os piões para ficar uma temporada indefinida.
Observo este panorama demente desde o meu posto avançado, que é a secretária onde há trinta e quatro anos fabrico opiniões como quem torra amendoins para uma plateia em chamas, e confesso que a criatividade dos dementes ultrapassa, em muito, a minha capacidade para a surrealidade. O mundo transformou-se num ‘reality show’ onde os concorrentes são ditadores, os prémios são países e a audiência somos nós, os otários que pagamos a conta da luz e do gás para iluminar e aquecer o circo.
A Dança dos Drones na Procissão dos Ajustes de Contas
Ontem, um dos membros do ilustre Clube dos Loucos – uma associação recreativa com filiais em Moscovo, Pyongyang e, brevemente, presumo, em Mar-a-Lago – decidiu brincar aos aviões de papel em versão ‘hardware’ militar e sobrevoar a Polónia com uns drones dirigidos à Ucrânia. O resultado foi previsível: Donald Tusk, esse jovem promissor do ‘jet set’ político europeu, ordenou que abatessem tudo o que mexia, incluindo, imagino, um pardal que por azar cantou uma melodia em tom menor de Dó. Fez bem, este jovem. Mas respondeu a Putin com a moeda que o Czar louco mais adora: a pequena provocação que pica a NATO e põe a Europa a contar espadas, floretes e ramalhetes, como se se preparasse para um duelo de cavalheiros do século XIX e não para o abate mútuo e anónimo do século XXI. É como desafiar um ‘bully’ para uma briga no recreio e ele aparecer com um lança-chamas: a diferença de escala é, no mínimo, ‘desconfortável’.
O Zélinha e a UE na Feira das Vaquinhas
Entretanto, na Ucrânia, o nosso caro Zélinha só pede e só se queixa, como um cliente insatisfeito num restaurante de ‘fast-food’ geopolítico onde a ementa prometia um ‘menu’ da vitória e só lhe servem migalhas de sanções e sopa de mísseis requentados. Ele, que não tarda também recebe o seu cartão de sócio vitalício do Clube dos Loucos, ainda não percebeu que a União Europeia já deu por perdida a guerra e que lhe vai mandar, em breve, carrinhos de esferas e canetas Bic com papel mastigado, para derrubar as bombas russas. É a versão bélica daquela tia que, perante uma tragédia familiar, oferece uns guardanatos bordados e um ‘cheque’ de vinte euros: o gesto é amável, mas a inadequação é de uma grandeza cósmica. A UE transformou-se na maior ‘crowdfunding’ da história, mas em vez de ‘startups’ inovadoras, financia a sua própria ansiedade.
O Qatar e a Arte de Receber Visitas Indesejadas
O Qatar, até agora um pacífico emirado que tentava, com afinco, interpretar o papel de Suíça do Médio-Oriente – um papel para o qual tem tanto jeito como um hipopótamo para patinagem artística – levou com um ataque a umas casas para ricos, vindos de Israel. A reacção foi digna de um manual de ‘soft power’ escrito por um estudante embriagado: ainda à pedaço veio dizer que pode retaliar contra Israel a qualquer momento. Vai linda a escola do professor Trump, onde a estratégia internacional se aprende entre ‘tweets’ e golpes de ‘putting’ no green. É o ‘déjà vu’ de um pesadelo que se repete: a violência como única linguagem diplomática, a retaliação como única resposta e a população civil como figurante descartável nesta peça de teatro do absurdo.
A Tortilha Humanitária e o Foguetório de Santa Margarida
Como se não bastasse este festival de horrores, anda aí pelo mediterrâneo uma Tortilha humanitária a levar com umas bombinhas que lhes incendeia os navios, mesmo em Tunes. Foi ontem, foi hoje e há-de ser amanhã. Se calhar são as festas da Santa Margarida e apontam mal os foguetes. Esta ‘Tortilha’ faz um ruído ensurdecedor de virtude mas, receio bem, terá o mesmo destino do «Lusitânia», navio que foi quase até Timor e voltou para trás, antes que lhes roubassem os chouriços. É a metáfora perfeita para a nossa era: navios de boas intenções a navegar em mares minados, com a tripulação a discutir o ‘menu’ do jantar enquanto o convés arde. A ajuda humanitária tornou-se no produto mais perigoso para exportar, logo a seguir ao senso comum.
E, finalmente, e porque nenhum espectáculo de horrores está completo sem um ‘clown’ trágico, temos Donald Trump, visivelmente doente, idoso, com problemas cognitivos graves, a sofrer de alucinações, a pôr tropa na rua contra civis. Já não existem jovens apaixonados pela Jodie Foster, senão o empecilho já tinha saído do caminho, tal como no argumento do filme ‘Taxi Driver’. A democracia norte-americana, outrora farol do mundo livre, é agora um ‘reality show’ de ‘ratings’ astronómicos onde o protagonista confunde a Constituição com as regras da sua antiga ‘reality show’ e os cidadãos são meros figurantes a quem se pede que sorriam para a câmara enquanto o ‘set’ arde. É o ‘American Dream’ transformado em pesadelo ‘made in China’, com ‘copyright’ russo.
A Última Hora para Comprar um Bilhete de Estúpida Fuga
Perante este panorama, que mais não é do que uma assembleia-geral de lunáticos a decidir o futuro do saneamento, só me resta concluir, com a serenidade de quem vê um incêndio floresta da varanda de casa, que é melhor começar a pensar, seriamente, em comprar uns bilhetes para o Paraná e arranjar uma casa de campo, ao pé da Elis Regina. Lá, longe dos drones, dos ‘clowns’ trágicos e das tortilhas em chamas, talvez possamos ouvir os últimos acordes de ‘Como Nossos Pais’ enquanto, cá fora, o mundo decide, em uníssono, cometer um suicídio colectivo com transmissão em directo e patrocínio de uma grande marca de refrigerantes. Porque, no fim, a única coisa que nos salvará será a nossa capacidade para rir do apocalipse. Até ele se rir de nós.