A falta de professores mantém mais de mil horários por preencher em escolas públicas portuguesas, sobretudo na Grande Lisboa e na Península de Setúbal, revelou ontem o Ministério da Educação, Ciência e Inovação. A situação afecta setecentos e trinta e cinco agrupamentos, correspondendo a setenta e oito por cento do total.
Carência afecta quase todo o sistema público
Segundo dados oficiais, dos 810 agrupamentos de escolas existentes, 635 enfrentam carências de docentes. Em 38 estabelecimentos a situação é considerada crítica, com mais de dez horários ainda por ocupar. Entre estes, onze escolas necessitam de pelo menos dez professores para assegurar horários completos.
A tutela reconhece que o início do ano lectivo está fortemente condicionado pela escassez de docentes, fenómeno que se agrava em áreas urbanas, nomeadamente Lisboa e Setúbal, onde o custo de vida tem afastado candidatos.
De acordo com o balanço do ministério, a dificuldade em contratar professores abrange diferentes níveis de ensino, mas atinge sobretudo disciplinas como Matemática, Físico-Química, Português e Informática. A ausência de docentes nestas áreas compromete directamente os exames nacionais, situação que preocupa tanto as escolas como os encarregados de educação.
Governo e PS trocam acusações sobre responsabilidades
O tema entrou ontem na agenda política. O secretário-geral do Partido Socialista (PS), José Luís Carneiro, acusou o Governo de falhar na abertura de sete mil vagas para o ensino pré-escolar, conseguindo disponibilizar apenas quatrocentas. «É mais uma demonstração de impreparação e de falta de planeamento», declarou Carneiro durante uma visita a Setúbal.
A resposta surgiu do ministro da Educação, Fernando Alexandre, que rejeitou culpas exclusivas do executivo. «Os problemas actuais são também consequência de décadas de decisões erradas, incluindo as do PS, que não garantiram uma renovação sustentável da carreira docente», afirmou.
Analistas políticos consideram que o confronto entre Governo e oposição tenderá a intensificar-se, já que a educação é vista como uma área sensível para o eleitorado. O impacto directo sobre as famílias confere ao tema um peso acrescido no debate público e pode marcar a agenda legislativa do próximo ano.
Causas estruturais e impacto social
Especialistas em políticas educativas apontam factores estruturais para a crise, como o envelhecimento da classe docente, a falta de atractividade da profissão e as dificuldades de mobilidade entre regiões. A média de idades dos professores portugueses é das mais elevadas da União Europeia, com muitos profissionais a aproximarem-se da reforma.
As consequências repercutem-se directamente nos alunos e nas famílias. Em várias escolas, horários incompletos resultam na supressão temporária de disciplinas nucleares, obrigando pais a procurar apoio fora do sistema público. Associações de encarregados de educação alertam para desigualdades acrescidas, sobretudo entre quem pode pagar explicações e quem não tem essa possibilidade.
Num relatório recente, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) advertiu que Portugal precisa de renovar urgentemente a sua carreira docente. O estudo destaca que, sem medidas concretas, em menos de dez anos metade dos actuais professores terá atingido a idade da reforma.
Medidas em discussão
O Ministério da Educação anunciou a abertura de novos concursos extraordinários para tentar suprir as vagas ainda em falta, admitindo flexibilizar regras de mobilidade interna. No entanto, sindicatos de professores consideram as medidas insuficientes e defendem incentivos salariais específicos para zonas com maior carência.
A Federação Nacional dos Professores (Fenprof) sublinha que «não basta abrir concursos», sendo essencial «valorizar a carreira» e «assegurar estabilidade». Já a Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) alerta que, sem medidas estruturais, «o problema agravará-se nos próximos anos».
Enquanto prossegue o confronto político, milhares de alunos continuam sem aulas regulares em várias disciplinas, e a falta de professores confirma-se como um dos maiores desafios do sistema educativo português na actualidade.